CARACTERÍSTICAS DE  DICIONÁRIOS PARA APRENDIZES DE LÍNGUA

 

Beatriz Nunes de Oliveira LONGO (Universidade Estadual Paulista)

 

 

ABSTRACT: Four different learner’s dictionaries were compared in order to show their similarities and differences concerning types of definitions, defining vocabulary, morphosyntactic information, and illustrative examples. Results led  to a proposal for a standard learner’s dictionary  entry.

 

KEYWORDS: lexicography, learner’s dictionary, definition, usage.

 

 

0. Introdução

 

                Na tradição lexicográfica, costuma-se subdividir os dicionários em quatro categorias, de acordo com o número de entradas. Assim, segundo Biderman (1984), o dicionário infantil e/ou básico possui aproximadamente 5.000 verbetes; o dicionário escolar e/ou médio tem de dez a trinta mil entradas; o padrão, cerca de cinqüenta mil, e o thesaurus, de cem a quinhentas mil.

                Entretanto, outros critérios de classificação podem ser utilizados. Malkiel (1967), estabelece três categorias de definição: a amplitude[1], a perspectiva e a apresentação. 

A amplitude diz respeito ao número de entradas e de línguas incluídas. Quanto ao número de línguas, o dicionário pode ser classificado em monolíngüe, bilíngüe ou multilíngüe. Um outro aspecto da amplitude é o grau de informação enciclopédica envolvido. A perspectiva  relaciona-se com o ponto de vista e organização escolhidos pelo lexicógrafo. O ponto de vista pode ser diacrônico ou sincrônico, e o dicionário pode ser organizado alfabética, fonética (dicionários de rimas) ou  conceptualmente.  A apresentação engloba vários aspectos: o uso de figuras, o grau de detalhamento das definições, as fontes de contextualização e o tipo de especificações fornecidas.

                Observe-se que as três categorias se inter-relacionam. Landau (1989:7), por exemplo, salienta que os dicionários etimológicos geralmente não contêm figuras, que os bilíngües raramente são etimológicos e que a ordem das suas entradas normalmente é alfabética.

                Landau acrescenta que outros fatores podem afetar a elaboração de um dicionário, tais como a idade dos usuários, o período de tempo coberto pela obra e o escopo (dicionários jurídicos, técnicos, de pronúncia, etc.).

                Nesta análise de obras lexicográficas destinadas a aprendizes de língua materna ou estrangeira, vejamos primeiramente como enquadrá-los nas diferentes categorias apresentadas anteriormente.

 

1.        O conteúdo de um dicionário escolar

Os dicionários escolares têm por objetivo básico a compreensão e a produção:  o consulente - nativo ou não nativo - deve ser capaz de entender o(s) significado(s) do item consultado e de utilizá-lo em situações de comunicação (Atkins, 1990).

Quando se destinam  à aprendizagem da língua materna,  são obviamente monolíngües e geralmente abrangem uma faixa etária que compreende de 10 a 18 anos. Quando o público alvo é constituído por falantes não nativos, não há limites de idade e o dicionário pode ser monolíngüe ou bilíngüe.

O eixo básico do verbete, como em qualquer obra lexicográfica, são as definições. No dicionário bilíngüe, utilizam-se definições sinonímicas, estabelecidas em termos de equivalentes. No monolíngüe, preferem-se as definições referenciais, constituídas de paráfrases ou de fórmulas metalingüísticas e complementadas por sinônimos e contextualização.

Uma questão importante diz respeito à seleção das entradas e ao vocabulário de definição. Biderman (1984) afirma que a confecção de um dicionário deve ser baseada num córpus representativo (no mínimo, cinco milhões de ocorrências abrangendo diferentes gêneros, tais como o literário, o jornalístico, o técnico e o acadêmico), que permita estabelecer uma hierarquia de freqüência para as entradas. Para a autora, num dicionário escolar, devem ser incluídas palavras com freqüência igual ou superior a 10. Parece também consensual que o dicionário para aprendizes não precisa trazer todas as acepções constantes de um dicionário padrão ou de um thesaurus, somente as mais freqüentes ou usuais.

Quanto ao vocabulário de definição, Amritavalli (1999:262) lembra que “a explicação da palavra não deveria ser mais complicada que a própria palavra”, e que os exemplos não podem trazer novos problemas de compreensão. Portanto, a elaboração do dicionário escolar deveria ser precedida da seleção de um vocabulário básico.

Em estudo sobre definições de nomes concretos, Höfling (2000:107), após analisar diferentes propostas, conclui que a definição referencial no dicionário monolíngüe deve possibilitar a inserção do item numa classe genérica e conter as características semânticas relevantes para a sua descrição. Além disso, a definição sinonímica também apareceria como complemento da definição referencial; frases ilustrativas para cada significado teriam como papel fundamental explicar os diferentes sentidos do item; a ordem dos significados seria dada pela freqüência do uso.  

Höfling (2000:103ss.) chama também a atenção para o emprego metafórico, mostrando que a definição referencial deve conter dados extralingüísticos pertinentes para que o usuário apreenda o sentido metafórico. Nesse caso, é fundamental a contextualização.

Resumindo, num dicionário escolar de comunicação, o verbete deve trazer a forma lematizada do item, bem como possíveis variações ortográficas e de realização fonética; definição referencial baseada em vocabulário fundamental; definição sinonímica; informações morfossintáticas incluindo a classificação dos itens, especificações sobre flexões irregulares, sobre a estrutura argumental e sobre possíveis restrições de subcategorização; exemplificação do uso. Nesse tipo de dicionário, é essencial contemplar o sistema de transitividade dos itens, e as diferentes possibilidades de distribuição e configuração sintática, correlacionando-as às diversas acepções.

Apresentadas as características básicas de um dicionário escolar monolíngüe, passemos à comparação de dicionários das línguas portuguesa e inglesa.

 

2.        Análise comparativa de dicionários para aprendizes de língua

 

No Brasil, ao que tudo indica, o critério para classificação de um dicionário como escolar é o da extensão. Nossas escolas, de modo geral, costumam adotar, na falta de um dicionário preparado especialmente para estudantes, os chamados minidicionários, ou dicionários de bolso. Desse modo, selecionei dois minidicionários da língua portuguesa para análise. Quanto à língua inglesa, utilizei dicionários para falantes não nativos.  Trata-se, portanto, de obras de referência de natureza diversa, escolhidas pelo critério de circulação e por se destinarem a aprendizes de língua (materna e estrangeira). São as seguintes: Minidicionário da língua portuguesa (Ferreira, 1993); Minidicionário Luft (2000); Oxford advanced learner’s dictionary of current English (Hornby, 1995); e Longman dictionary of contemporary English (Longman, 1987).

O número de entradas varia de trinta a sessenta mil verbetes, portanto todos ultrapassam a extensão de um dicionário escolar. As palavras base apresentam divisão silábica. Nos dicionários de inglês, aparece sistematicamente a transcrição fonética; nos de português, há algumas “chaves de pronúncia”. Todos apresentam a categoria da palavra e especificações gramaticais como as de gênero (no português) e contabilidade (no inglês). O sistema de transitividade verbal também é contemplado nos quatro. Apresentam-se ainda apêndices ou páginas de estudo contendo informações gramaticais e listas de nomes próprios ou gentílicos, sufixos, numerais, pesos e medidas, etc. Os dicionários do português não apresentam figuras. De modo geral, são estas as características comuns das obras consultadas. Discutirei, a seguir, as suas propriedades quanto às definições, ao vocabulário, à contextualização e à estrutura argumental. Para ilustração, utilizei  apenas nomes concretos e abstratos, por limitação de espaço.

                Tomemos o par  assento/seat[2]:

 

(1) assento sm 1 objeto ou lugar onde alguém se senta. 2 lugar em que algo está assente; base. 3 tampo de cadeira, banco, etc. 4 Fam. V. nádegas. 5 assentamento (2) 6 termo de ato oficial. (Ferreira)

 

(2) assento s.m. 1. Lugar ou móvel em que se senta. 2. Base. 3. (fam.) Nádegas. Cf. acento. (Luft)

 

(3) seat  n 1(a) a thing used or made for sitting on, eg a chair, BENCH(1a) or box: She leaned back on her seat. º a stone seat in the garden º a window/corner seat (ie one near a window/in a corner) º a child seat (ie for a child, eg in a car). See also BACK SEAT. Þ picture at CAR  (b) the part of this on which one actually sits: a chair with a leather seat and a wooden back  2 a place where one pays to sit in a public vehicle or in a theatre, cinema, etc : There are no seats left on the flight. º book/reserve two seats for the concert º seat prices Þ note at SPACE 3(a) a place as a member  of a law making assembly, a council or a comittee: a seat on the city council/ in Parliament º take one’s seat (ie begin one’s duties, esp in Parliament) º win/lose a seat (ie in an election) º The Democrats have a majority of 21seats in the Senate. (b)  an  area of the country that elects  a Member of Parliament: a seat in Devon.  See also SAFE SEAT. 6(a) (fml) the part of the body on which a person sits; the buttocks (BUTTOCK). (b) the part of a garment, esp trousers, covering this: a hole in the seat of his trousers. See also HOT SEAT.  IDM by the seat of one’s pants relying on instinct rather than careful thought or skill.

  

(4)  seat n 1 a place for sitting: Using all our chairs we`ll have seats for ten people. | the front/back seat of a car | two tickets for good seats at the theatre – see picture at CAR 2 the part on which one sits: My seat is rather sore from riding a horse. | The seat of the trousers wears out quickly 4 a place as a member of an official body: win/lose a seat in Parliament in an election | appointed to a seat on a government comittee. 7 in the driver’s seat (informal) in charge; in control (Longman)   

                 

                Quanto às definições, observa-se que, nesse caso, os quatro dicionários optaram por paráfrases, na primeira acepção – lugar ou objeto para sentar. Para algumas das acepções seguintes, os dicionários do português usam definições sinonímicas.  Não há coincidência no número de acepções contempladas. Luft é o mais “econômico”, com apenas três, e Hornby, o mais denso, com sete, se levarmos em conta as subdivisões. O vocabulário de definição parece ser acessível a estudantes. Ferreira, Luft e Hornby  fazem uso de remissões. Os dicionários do inglês apresentam expressões idiomáticas, mas sem exemplificação.

                Comparando os quatro verbetes, percebe-se  que os dos minidicionários correm o risco de não cumprir o seu papel sequer quanto à compreensão do item. Por exemplo, para um leitor menos perspicaz, pode ser difícil estabelecer a distinção entre as duas primeiras acepções de Ferreira. Em Luft, é praticamente impossível compreender a segunda acepção (base). Tais problemas poderiam ser facilmente solucionados com a contextualização, abundante nos dicionários do inglês. Além disso, acepções comuns como participação em conselho, congresso, etc.. não foram contempladas nos dicionários do português.

                Por se tratar de nomes não argumentais, não há necessidade de informação sobre subcategorizações. Observe-se, entretanto, que os learner’s dictionaries têm o cuidado de apresentar, nos exemplos ilustrativos, as principais colocações[3], como book/reserve seats for a concertt ou win/lose a seat in Parliament. Assim, a contextualização, além de facilitar a compreensão do item, traz consigo muitas informações adicionais sobre o uso, que a tornam indispensável, mesmo na descrição dos nomes concretos.

                Vejamos agora um par abstrato, culto/cult:

 

(5) culto sm. 1 adoração ou homenagem à divindade em qualquer de suas formas e em qualquer religião. 2 modo de exteriorizar o culto (1); ritual. 3 veneração; preito. (Ferreira)

 

(6) culto s.m. 1. Homenagem de caráter religioso a seres sobrenaturais. 2. Adoração; veneração. 3 A religião em suas manifestações externas. (Luft)

 

(7) cult  n 1 a system of religious worship, esp one that is expressed in rituals: the mysterious nature-worship cults of these ancient peoples. 2 (usu sing) ~ (of sb/sth) (sometimes derog) great admiration, love or concern for sb/sth: the cult of physical fitness. º a personality cult (ie great admiration for a person, esp a leader). 3 a popular fashion or CRAZE: the current cult for comic-book heroes º a cult movie/book/figure/hero (ie one that is fashionable among members of a particular, usu small, group) an artist with cult status (ie one who is admired by such a group). (Hornby)

 

(8) cult  n 1 [C] (the group of people believing in) a particular system of religious worship, with its special customs and ceremonies: When did he join the cult? | an ancient tribal cult 2  [C9] worship of or loyalty to a person, principle, etc.: The leadership cult developed in a number of European countries between the wars 3 [C9] (the group of people following) a popular fashion or a particular interest. (Longman)

 

De maneira geral, pode-se fazer as mesmas observações quanto às definições (que são três em todas as obras): são parafrásicas na primeira acepção; apresentam remissões; a primeira acepção coincide nos quatro dicionários; os do português não apresentam exemplos nem especificações gramaticais (com exceção da categoria e gênero). Certas acepções não são contempladas (culto do idioma; culto à violência; culto à memória de alguém[4]). Também o dicionário Longman parece extremamente sintético, e deixa de lado ou funde algumas acepções. Hornby apresenta informações mais detalhadas, especialmente quanto à transitividade do item (cult of somebody/something). Uma vantagem dos learner’s sobre os minidicionários é mostrar que em algumas acepções há necessidade de um elemento complementador, ilustrado com exemplos - the cult of physical fitness; the cult for comic-books - em Hornby e mediante a especificação C9 + um exemplo, em Longman (the leadership cult). Os dicionários do português, com especificações gramaticais extremamente limitadas, e sem o recurso dos exemplos, não têm como destacar esses casos, nem mostram que podem ser usadas diferentes preposições para complementar o nome: culto à personalidade; culto  da beleza; culto pelos super-homens. Digna de nota é a total ausência de informações que permitam ao usuário relacionar o item culto a outros itens do léxico, como cultuar, cultivar e cultivo.

 

3.        Conclusão

A breve análise aqui realizada mostra que os dicionários do inglês poderiam ser classificados como dicionários escolares, mas os do português, não: as descrições que apresentam não alcançam o objetivo da compreensão, nem o de levar ao aluno à produção na língua materna. Faltam definições sinonímicas para complementar as referenciais, especificações morfossintáticas e contextualização. 

Para resolver tais problemas, seria necessário antes de mais nada o recurso a um córpus bem delimitado, que permitisse a verificação de freqüências para a seleção das entradas e das acepções; o estudo das propriedades morfossintáticas e semânticas dos itens; a escolha de exemplos de uso real na língua. Somente de posse desses dados seria possível elaborar um roteiro para a confecção de um dicionário escolar que realmente pudesse ser utilizado como instrumento para a competência comunicativa dos aprendizes de língua.

 

RESUMO: Comparam-se quatro dicionários para aprendizes de língua, materna e estrangeira, com o intuito de verificar o seu grau de adequação concernente aos tipos de definição, vocabulário de definição, especificações morfossintáticas e contextualização. Os resultados levam a uma proposta de definição padrão para um dicionário escolar.

 

PALAVRAS-CHAVE: lexicografia; dicionário escolar; definição; uso.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AMRITAVALLI, R. Dictionaries are unpredictable. ELT Journal, Vol. 53/54, p. 262-269, October  1999.

ATKINS, B. T. Monolingual and bilingual learner’s dictionaries. In: ILSON, R. (org.) Dictionaries, lexicography and language learning. Oxford: Pergamon Press, 1990, p.15-24.

BIDERMAN, M. T. O dicionário padrão da língua. Alfa, 28, p.27-43, 1984.

DUBOIS  J. & DUBOIS, C. Introduction à la lexicographye. Le dictionnaire. Paris: Librairie Larousse, 1971.

FERREIRA, A. B. H. Minidicionário da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1993.

HÖFLING, C. Da análise crítica de definições de nomes concretos em dicionários para uma proposta de definição padrão. Mestrado. Araraquara, UNESP, 2000.

HORNBY, A. S. Oxford advanced learner´s dictionary of current English. 5ª ed. Londres: Oxford University,  1995.

LANDAU, S. Dictionaries. The art and craft of lexicography. Cambridge, CUP, 1989.

LONGMAN GROUP. Longman dictionary of contemporary English. Londres: Longman, 1987.

LUFT, C. P. Minidicionário Luft. 20ª ed. São Paulo, Ática, 2000.

MALKIEL, Y. A typological classification of dictionaries on the basis of distinctive features. HOUSEHOLDER, F. H & SAPORTA, S. (orgs.) Problems in Lexicography. The Hague, Mouton, 1967.



[1] Dubois & Dubois (1971) subdividem essa categoria em natureza da língua e densidade (intensiva ou extensiva).

[2] Transcrevo apenas as especificações morfossintático-semânticas; as acepções apresentadas são as coincidentes nas duas línguas.

[3] Collocations, nos termos de Halliday e Hasan (1976).

[4] Os exemplos aqui apresentados foram extraídos do banco de dados do Laboratório de Estudos Lexicográficos da FCL, Araraquara, UNESP.