ESTRUTURAS DE CAUSALIDADE PARATÁTICAS, HIPOTÁTICAS E REDUZIDAS: EQUIVALÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS MORFOSSINTÁTICAS

(PARATACTIC, HIPOTACTIC AND REDUCED CONSTRUCTIONS EXPRESSING CAUSAL RELATION: MORPHOSYNTACTIC EQUIVALENCES AND DIVERGENCES)

 

Cristina dos Santos CARVALHO (Universidade Estadual de Campinas/Universidade do Estado da Bahia)

 

 

ABSTRACT: In this paper, I investigate alternative complex constructions expressing causal relation, the paratactic, hypotactic and reduced ones, in oral discourse. From the parameters clause ordering and tense and mood, I show quantitatively morphosyntactic equivalences and divergences between these constructions.

 

KEYWORDS: cause; syntactic constructions; clause ordering; tense and mood.

 

 

0. Introdução

 

Na língua portuguesa, a relação de causalidade, entendida em sentido lato[1], pode ser codificada, em termos de sentenças complexas, pelas seguintes estruturas sintáticas: paratáticas, hipotáticas[2] e reduzidas. Essas estruturas apresentam divergências não só do ponto de vista sintático mas também da perspectiva morfológica: as duas primeiras constróem-se com verbos em formas finitas enquanto as últimas, com verbos nas formas não-finitas gerúndio, particípio e infinitivo. Mas, se possuem diferenças, também se aproximam em alguns aspectos; por exemplo, as cláusulas reduzidas de gerúndio, segundo Haiman (1985:229) constituem estruturas ambíguas, já que podem ter uma interpretação coordenada ou subordinada.

Assim, alguns estudos de sentenças complexas de base funcionalista (Haiman, op.cit., Lehmann, 1988) têm mostrado que certos tipos dessas sentenças ora se aproximam ora se distanciam completamente a depender dos parâmetros formais (ordenação das cláusulas vinculadas, explicitude/omissão de sujeitos, formas de expressão e correferencialidade de sujeitos, tempo e modo verbais etc) que sejam considerados na tipologia proposta.

Fundamentando-me nos pressupostos teóricos e metodológicos da Teoria Funcionalista e da Teoria da Variação Lingüística, investigo estruturas sintáticas alternantes - paratáticas, hipotáticas e reduzidas - que veiculam a relação de causa, extraídas de um corpus constituído de doze inquéritos do tipo diálogo entre informante e documentador (DID) do Projeto da Norma Urbana Culta de Salvador. Constitui meu foco de análise a correlação entre essas estruturas sintáticas e os parâmetros ordenação das cláusulas que compõem o enunciado causal e tempo e modo verbais das sentenças núcleo e causal. A seleção desses dois parâmetros se justifica pelo fato de eles serem considerados, por alguns representantes de abordagens funcionalistas (como se verá a seguir), propriedades relevantes na caraterização de construções paratáticas, hipotáticas e reduzidas. A partir de uma amostra de 147 enunciados causais, mostro quantitativamente equivalências e divergências morfossintáticas entre construções paratáticas, hipotáticas e reduzidas.

 

 

1. A ordenação de cláusulas nas estruturas de causalidade

 

A propriedade ordenação de cláusulas relaciona-se intimamente a uma característica atribuída às orações subordinadas adverbiais - a sua mobilidade posicional; característica essa que, segundo alguns autores (Thompson e Longacre, 1994, Chafe, 1988 apud Braga, 1995), distingue esse tipo de sentença das coordenadas (aqui consideradas como um subtipo das estruturas paratáticas). Na língua portuguesa, as cláusulas que veiculam causa apresentam essa mobilidade posicional em relação às sentenças com que se articulam: o segmento causal pode vir anteposto ou posposto ao segmento efeito.

 A ordenação das duas cláusulas do enunciado causal pode estar associada à ordenação causa-efeito na seqüencialidade dos fatos. Do ponto de vista lógico-semântico, estabelece-se que, se A é a causa  de B, os eventos descritos em A devem ter ocorrido no mundo real, antes dos eventos descritos em B. A representação dessa ordem do mundo empírico - causa precedendo o efeito que provoca - pode se refletir nas estruturas lingüísticas, o que tem sido designado de motivação icônica por Croft (1990 apud Paiva, 1995:61). Observa-se, assim, que, enquanto a anteposição das cláusulas causais mantém o princípio de iconicidade, a posposição das orações causais viola esse princípio.

Os resultados para ordenação da cláusula causal nas estruturas paratáticas, hipotáticas e reduzidas são apresentados na tabela 1.

 

Tabela 1 - Estruturas sintáticas e ordenação da cláusula causal.

 

Estrutura

Anteposição

Posposição

Total

Paratática

32         73 %

12            27%

44

Hipotática

 5           5.6%

85            94.4%

90

Reduzida

 5          38.5%

 8             61.5%

13

 

As percentagens da tabela 1 mostram um comportamento diferenciado para as estruturas sintáticas analisadas, colocando-as em posições diferentes, no que diz respeito à ordenação da cláusula causal: de um lado, as construções paratáticas e, do outro, as  hipotáticas e reduzidas. As primeiras se caracterizam pela anteposição do segmento causal enquanto as duas últimas tendem a pospor esse segmento. Note-se que, nas cláusulas reduzidas, a diferença percentual em favor da posposição é de 33 % enquanto, nas estruturas hipotáticas, é de 88.8%. Nessas, a tendência à posposição da sentença causal parece justificar-se por uma grande ocorrência, nos dados, de cláusulas porque cuja ordem não marcada para o segmento causal é justamente essa posição (cf Paiva, mimeo): das 90 ocorrências de contruções hipotáticas, 67 são de orações causais introduzidas por porque que se encontram pospostas aos núcleos.

Se for feita uma comparação das três estruturas analisadas, levando-se em conta a relação entre o princípio de iconicidade e a ordenação das orações que compõem o enunciado causal, verifica-se que essa ordenação é mais icônica nas construções paratáticas e menos icônica nas hipotáticas e reduzidas, como mostra o gráfico 1.

 

Gráfico 1 - Distribuição das estruturas de causalidade de acordo com a ordenação da cláusula causal e o princípio de iconicidade.

Os resultados obtidos acima corroboram a afirmação de Haiman (op.cit.) sobre iconicidade nas cláusulas reduzidas e coordenadas:

 

Ing-clauses may either precede or follow the full clauses on which they depend without thereby implying a different order of events. They are not tense-iconic. (...) The most striking property of gerund or participal clauses which distinguishes them from full coordinate clauses is their freedom from tense iconicity, or their relatively free preposability (ênfase minha) (Haiman, 1985:216, 228).

 

 

2. A seleção de tempo e modo verbais nas estruturas de causalidade

 

O parâmetro seleção de tempo e modo verbais[3] diz respeito a uma propriedade morfológica das estruturas examinadas. Essa  seleção, em frases complexas - paratáticas e hipotáticas -, parece depender das relações semânticas nelas estabelecidas[4]. As cláusulas que veiculam a relação de causalidade tendem a apresentar mais verbos em tempos do modo indicativo. Segundo Neves (2000), “o indicativo é o modo votado para expressar causa, já que a expressão de causa constitui uma proposição com um certo grau de certeza”.

Do ponto de vista lógico-semântico, a noção de causa parece estar vinculada a eventos que, no mundo empírico, ocorrem no presente e/ou no passado[5], o que parece se traduzir lingüisticamente na escolha dos tempos verbais usados nas cláusulas dos enunciados causais.

A tabela 2 descreve os tempos verbais das cláusulas causais nas estruturas paratáticas e hipotáticas.

 

Tabela 2 - Tempo verbal da cláusula causal.

 

Estrutura

Presente

Pret.Imperf.

Pret.Perf.

Outros

Total

Paratática

 32    73%

  9     20%

  3       7%

 0       0%

 44

Hipotática

 61    68%

 15    17%

13     14%

 1       1%

 90

 

Os resultados da tabela 2 apontam que, tanto nas estruturas paratáticas como nas hipotáticas, o tempo em que mais se encontram os verbos das cláusulas causais é o presente  do indicativo (73%, 68%), seguindo-se, com percentuais de ocorrência bem menores, o pretérito imperfeito (20%, 17%). Observe-se que as diferenças percentuais entre essas duas construções sintáticas nos tempos verbais anteriormente mencionados são de 5% (no presente) e 3% (no pretérito imperfeito) em favor das paratáticas. O terceiro tempo mais empregado é o pretérito perfeito cujos percentuais de ocorrência também não são muito altos. Nesse caso, as estruturas hipotáticas apresentam o dobro de ocorrência das paratáticas (14%, 7%). Para os outros tempos verbais - futuro do presente e futuro do pretérito - os dados são insuficientes.

No que se refere ao tempo verbal que mais se associa às cláusulas causais (o presente do indicativo), os resultados aqui apresentados conformam-se aos descobertos por Paiva (1998) na análise de sentenças causais introduzidas por porque.

                Na tabela 3, indicam-se os tempos verbais das cláusulas núcleos nas três estruturas investigadas.

 

Tabela 3 - Tempo verbal da cláusula núcleo.

 

Estrutura

Presente

Pret.Imperf.

Pret.Perf.

Outros

Total

Paratática

 32    73%

  6     14%

  5      11 %

 1       2%

 44

Hipotática

 59    65%

  9     10%

15      17%

 7       8%

 90

Reduzida

   9    69%

  2     15%

  1        8%

 1       8%

 13

Os dados fornecidos pela tabela 3 indicam que o presente do indicativo também é o tempo verbal em que mais se emprega a oração núcleo nas três estruturas analisadas. Destaca-se apenas que o percentual de ocorrência desse tempo apresenta uma freqüência descendente das estruturas paratáticas para reduzidas e dessas para hipotáticas (73%, 69%, 65%). Para construções paratáticas e reduzidas, o segundo tempo verbal mais utilizado é o pretérito imperfeito, com percentuais de ocorrência  não muito altos (14%, 15%). Já para as hipotáticas, ocorre o pretérito perfeito cujos percentuais de ocorrência também não são altos (17%). Evidencia-se que a oposição entre as duas primeiras construções e as últimas pode ser definida em termos de dois traços que se mostram excludentes, pontualidade e duração: essas se caracterizam por serem + pontualidade e - duração, aquelas, - pontualidade e + duração. Assim como nas cláusulas causais, para os outros tempos verbais, também não há dados suficientes nas sentenças núcleos.

O exame conjunto das tabelas 2 e 3 permite constatar que, nas estruturas analisadas, os tempos verbais selecionados para as cláusulas causais e núcleos (independente dos seus percentuais de ocorrência) são todos do modo indicativo, o que confirma a asserção de Neves (op.cit.) sobre o uso desse modo para expressão de causa. Nessas estruturas, o fato de os verbos das sentenças causais e núcleos serem mais expressos no tempo presente do indicativo parece indicar  uma associação entre noção de causa e descrição de eventos que acontecem no mundo empírico no presente.

 

 

3. Conclusão

 

Os resultados quantitativos obtidos para os parâmetros formais analisados neste trabalho evidenciam convergências e divergências morfossintáticas entre os três tipos de estruturas sintáticas usados para a expressão de causalidade. Assim, construções hipotáticas, no que concerne à ordenação da sentença causal e à motivação icônica, apresentam o mesmo padrão distribucional das reduzidas e ambas se opõem às paratáticas. Essas últimas exibem o mesmo comportamento das hipotáticas, no que se refere à seleção do tempo verbal presente do indicativo na cláusula causal. As três estruturas sintáticas investigadas partilham a seleção desse mesmo tempo verbal na sentença núcleo.

Tais convergências e divergências morfossintáticas se encontram esquematizadas em termos de traços na figura abaixo:

 

Estrutura

Ordenação da cláusula causal

Motivação

icônica

Tempo verbal na cláusula causal

Tempo verbal na cláusula núcleo

Paratática

+ anteposição

+ icônica

+ presente

+ presente

Hipotática

- anteposição

- icônica

+ presente

+ presente

Reduzida

- anteposição

- icônica

     ¾¾

+ presente

 
Figura 1 – Convergências e divergências entre as estruturas de causalidade paratáticas, hipotáticas e reduzidas.

 

Torna-se necessário ressaltar que os traços acima estabelecidos para cada estrutura sintática não podem ser tomados como categóricos; eles apenas revelam tendências estatísticas, no que concerne a especificidades de cada construção. Em outras palavras, quando se atribui o traço + posposição à hipotaxe, isso não implica que, em construções hipotáticas, o segmento causal jamais ocorra anteposto ao segmento efeito.

As equivalências morfossintáticas encontradas entre as estruturas sintáticas aqui investigadas acentuam o fato de que frases complexas - paratáticas, hipotáticas e reduzidas - não podem ser classificadas de modo tão rígido como se apenas apresentassem traços formais totalmente excludentes.

 

RESUMO: Neste artigo, investigo, no discurso oral, estruturas sintáticas alternantes - paratáticas, hipotáticas e reduzidas - que veiculam a relação de causa. A partir dos parâmetros ordenação de cláusulas e tempo e modo verbais, mostro quantitativamente equivalências e divergências morfossintáticas entre essas estruturas.

 

PALAVRAS-CHAVE: causalidade; estruturas sintáticas; ordenação de cláusulas; tempo e modo verbais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRAGA, Maria Luiza. As orações de tempo no discurso oral. Caderno de Estudos Lingüísticos, Campinas, n. 28, p. 9-18, jan./jun. 1995.

HAIMAN, John. Natural sintax. Cambridge: Cambridge University Press, 1985. p. 196-229.

LEHMANN, Cristian. Towards a typology of clause linkage. In: HAIMAN, John e THOMPSON, Sandra (eds)  Clause combining in grammar and discourse. Philadelphia: John Benjamins, 1988. p. 181-225.

NEVES, Maria Helena Moura. Gramática de usos do português. São Paulo, EDUNESP, 2000.

PAIVA, Maria da Conceição de. A ordem não marcada das cláusulas porque. (mimeo)

_____.  Cláusulas causais: iconicidade e funcionalidade. Cadernos de Estudos Lingüísticos, Campinas, n. 28, p. 59-68, jan./jun. 1995.

_____. Variação e especificidades funcionais no domínio da causalidade. Revista e Estudos da Linguagem, Belo Horizonte, v. 7, n. 2, p. 89-108, jul./dez. 1998.

THOMPSON, Sandra A. e LONGACRE, Robert E. Adverbial clauses. In: SHOPEN, Timothy (ed.). Language typology and syntactic description. Vol. II: Complex constructions. Cambridge: University Press, 1994.

 

 



[1] A causalidade, em sentido lato, compreende, além da conexão causa – conseqüência/efeito propriamente dita, relações como explicação ou justificativa, conclusão.

[2] No que concerne à relação causal, as estruturas paratáticas e hipotáticas equivalem, respectivamente, às coordenadas explicativas e conclusivas e às subordinadas adverbiais causais e consecutivas da tradição gramatical.

 

[3] Esse parâmetro, nas estruturas reduzidas, só será examinado com relação às sentenças núcleos  por motivos óbvios: cláusulas reduzidas não apresentam verbos em tempos finitos.

[4] Em cláusulas complexas, a seleção de tempo e modo verbais pode depender de outros  elementos como, por exemplo,  fatores relativos ao emissor e à atitude (de certeza ou dúvida) que assume diante do fato que enuncia. Nas estruturas com cláusulas encaixadas, essa seleção também depende dos tipos semânticos dos verbos da matriz.

[5] Neste caso, refiro-me sobretudo à causa real, que se dá entre estados de coisas.