REFLETINDO SOBRE A LINGUAGEM ORAL E ESCRITA EM CURSOS DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA E JORNALISMO*

(Thinking about the oral and written language in advertising and jornalism courses)

 

Josélia Maria Costa HERNANDEZ (Centro Universitário de Araraquara – Uniara)

 

 

ABSTRACT: This paper aims to reflect on the teaching of Portuguese Language in Publicity & Advertising and Journalism courses. The focus is  mainly on the characteristics of both oral and written languages in relevant texts  for the above referred courses.

 

KEYWORDS: oral/written languages; teaching of Language.

 

 

0. Introdução

 

Ao iniciarem as aulas de Língua Portuguesa nos cursos de Publicidade e Propaganda e Jornalismo, quando são retomadas com os alunos aquelas noções básicas sobre os elementos do processo comunicativo (interlocutores, código, canal, etc.), recomenda-se aos mesmos que, para fazermos valer o conceito etimológico da palavra comunicar, do latim communicare (pôr em comum), faz-se necessário a priori ‘traduzir o pensamento’, esse substantivo tanto abstrato no nome quanto na sua essência.

 

Quando se fala em tal tradução, trata-se dessa capacidade de os locutores atribuírem signos àquela fonte, o pensamento, e cristalizarem aquilo que os difere de qualquer outro ser vivo, a saber: a faculdade de partilhar o que se pensa ao outro, por intermédio de um conjunto significativo de sinais associados aos sons vocais articulados pela voz humana a que chamamos linguagem verbal.

 

Tão-logo, inicia-se a busca pelo despertar-lhes para essa ‘tradução’ (ou ‘intra-tradução’) que é traduzir para sua língua o que o eu está pensando nessa mesma língua.

 

Pois bem, mal sabem eles que podem considerar-se bilíngües, talvez até ‘tri’, em se tratando da língua materna.

 

Por que ‘tri-língüe’? Ora, ao ‘traduzir’ o pensamento, o ser humano detém um sistema de sinais com regras próprias e subjetivas que servirá para selecionar e ordenar aquilo que deseja tornar comum. Ao materializar esse processo a seu interlocutor, dependendo se a manifestação for oral ou escrita, perfaz, assim, as outras duas, pois, mesmo se constituindo como um símbolo nacional de unificação e identificação social, mesmo a gramática (não aquela de Oswald de Andrade) diligenciando as ideologias das classes dominantes, não adianta: fala-se uma língua e escreve-se outra.

Como trabalhar com essa dicotomia nos cursos de Comunicação Social, cujo instrumental de trabalho ora é a linguagem falada, ora é a linguagem escrita?

 

A reflexão aqui proposta busca relatar uma possibilidade de tratamento da norma lingüística estabelecida para os textos publicitários e jornalísticos e sua aplicação nas aulas de língua portuguesa nos cursos de Publicidade e Propaganda e Jornalismo.

 

1. Perspectiva teórica

 

Ávidos pela academia, ao ingressarem no curso superior, os alunos vêem a possibilidade de tornarem-se técnicos e profissionais. Assim, para esses futuros profissionais da palavra, a prescrição gramatical toma corpo quando descrita, muito além de qualquer discussão que tenciona desvendar os subentendidos de um discurso...

 

E qual é a surpresa nos mesmos quando, em termos lingüísticos, são lhes segredadas as palavras mágicas ‘adequado e inadequado’, e não ‘certo e errado’! Instala-se o desespero de que tudo pode ser possível, dependendo da variação diastrática, diacrônica ou diatópica a ser utilizada naquele momento, do contexto enunciativo e do conhecimento de mundo de cada um dos interlocutores.

 

Como superar o preconceito de que a linguagem falada não corrompe a linguagem escrita, mas que se constitui numa modalidade da língua consistente e com uma gramática articulada que também deve ser entendida e valorizada?

 

Como cristalizar a linguagem escrita em sua normatividade e prescrição?

 

O caminho parece intransponível, mas deve ser incansável, pois falta entrar em cena a variante estilística. Há momento para tudo! Como afirma Perini (2001: 11), “apesar das crenças populares, sabemos, e muito bem, a nossa língua”.

 

Muito bem! E lá estão os aspirantes a publicitários e jornalistas cientes de que falam e ouvem uma coisa e escrevem ou lêem outra.

 

Porém, uma nova questão se apresenta: a linguagem da publicidade e do jornalismo em que modalidade se encaixa? Ela é culta ou informal? O apresentador de um jornal ou um repórter lança mão de qual dos dois registros? E o publicitário, ao criar seu comercial de tv ou jingle?

 

Com a intenção de aproximar o telespectador ou o consumidor àquilo que é veiculado, a linguagem oral dos meios de comunicação de massa adentra sua casa pelas portas da tv e do rádio e, sem pedir licença, estabelece um íntimo diálogo com o morador desavisado que, paulatinamente, vai assimilando aquela linguagem sedutora e politicamente correta, sem querer abusar de clichês...

 

O espaço enunciativo familiar daqueles interlocutores agora divide limites com o espaço enunciativo do rádio e da televisão que precisa ser menos formal, para estabelecer laços de familiaridade com o seu público, no entanto sem incorrer em desvios mais comuns à linguagem escrita, já que o texto apresentado, apesar de falado, é lido; portanto, também escrito.

 

Pois bem: é o meio termo; é o que alguns autores como Andrade e Henriques (1996: 38) chamam linguagem familiar.

 

No entanto, outro problema insurge, agora entre os poderosos veiculadores de ideologia: para que o público estará mais voltado? Para a mídia rádio-televisiva ou para a mídia escrita?

 

A imagem, as cores, os movimentos, a realidade retratada pela tv como quase fiel — uma vez que não se pode esquecer dos cortes arbitrários do cameraman, do produtor, etc. na edição de uma cena — da realidade é muito mais rapidamente absorvida pelo público ansioso por digerir a droga mais mortal de nossos dias: o tempo.

 

Assim, a mídia escrita corre atrás do prejuízo e de grandes circulações e insere naquele texto, antes predominantemente lingüístico, as nuanças do texto imagético e, no lugar da telinha colorida e movimentada, fotos coloridas e fantásticas (ou terríveis, como queriam os gregos clássicos) saltam aos olhos do leitor-consumidor. Mas, não o suficiente, pois o público ainda continua sob o efeito daquela droga tão letal e não pode parar. Dessa forma, a mídia escrita aproxima a sua linguagem escrita àquela que for mais simples de ser devorada.

 

E a receita para aquela condimentada linguagem familiar instaurada tanto no texto falado quanto no escrito chega a seu ponto, regulada por uma temperatura estabelecida pela norma lingüística, logicamente.

 

Quando se fala em norma, é preciso atentar para os dois campos semânticos aos quais ela remete. Num primeiro momento, o conceito de norma está associado ao uso que os falantes fazem da língua de acordo com aquelas variações lingüísticas, e considera-se como ideal a que mais é usada pelos falantes com fins de interação social.

 

O segundo sentido de norma também toma as variantes sociais, geográficas e temporais lingüísticas, mas imputando-lhes uma valoração em termos daquela que é mais ou menos prestigiada, cristalizando a que for ligada aos estratos sociais de mais prestígio, modalidade essa do bem-falar. E, se o bem-falar está ligado, supostamente, a quem tem escolaridade, logo esse conceito é discriminatório e sanciona a exclusão social, apesar de ser o prescrito pela gramática.

 

Há que se observar ainda que é esta última que funciona como símbolo de identidade político-nacional e que a escola defende como o meio pelo qual se ascende socialmente. Estamos aqui falando da modalidade escrita, aquela primeira, que não admite as transgressões da língua falada (salvo as licenças poéticas em nossa literatura, bem entendido).

 

Assim, sem relevar a norma da linguagem falada e a natureza específica de cada modalidade, continuadamente o ensino da língua materna apresenta resultados insatisfatórios. Faz-se necessário repensar a prática pela qual o trabalho com o ensino da língua materna vem sendo realizado, buscando a valorização de ambas modalidades, em detrimento a qualquer legitimação posta em uso de acordo com a classe privilegiada que a detém, impondo as formas normativas que devem ser aprendidas.

 

Por um lado, na linguagem escrita fica evidente a obediência às regras gramaticais, isso porque, no momento da leitura, locutor e interlocutor só interagem pelo texto escrito e, caso haja a ausência de marcas lingüísticas que venham comprometer o todo significativo desse discurso, não haverá a compreensão do mesmo. Por outro, na linguagem oral, por ser uma produção co-participativa, a compreensão do discurso é complementada pelas repetições, quebras sintáticas, uso de clichês, etc.

 

A partir dessa reflexão, como pode ser observado o comportamento lingüístico dentro da mídia?

 

2. O trabalho com a linguagem oral e escrita dos textos da mídia em sala de aula

 

Como foi comentado anteriormente, a mídia traz uma linguagem em que os valores gramaticais são acomodados à cena enunciativa familiar, constituindo-se, assim, de alguns apartes.

 

Notar-se-á que em algumas construções, mesmo obedecendo às normas gramaticais, o texto jornalístico ou publicitário aproxima-se dos efeitos da oralidade.

 

Observando este trecho escrito por Toledo (2002: 122), é possível perceber ao lado dos substantivos abstratos e do  uso de um vocabulário erudito, características da linguagem escrita, o tom jocoso da linguagem oral no paralelismo morfossintático, quando é comentado o significado desses termos mais clássicos:

 

“Pois corra aos dicionários. A palavra ali está, tanto no Aurélio como no Houaiss. Os dicionários têm isso de bom: conservam as palavras em desuso como os sedimentos conservam os fósseis. Neles repousam, em sono esplêndido, palavras como bufarinheiro e alcouceira, mandrana e parvajola. Ou então, diriam os moralistas, palavras que, embora em uso, identificam práticas em desuso: honestidade, vergonha, intimidade, virgindade...”[1]

 

Logo no início deste trabalho, evocamos à gramática de Oswald de Andrade, que escreveu um poema aludindo à transgressão da colocação pronominal de acordo com a gramática. Esse cuidado a mídia tem tomado, no entanto observe-se o trecho de Saccomandi (2002: 5-5) abaixo:

 

“O imaginário estava se tornando mais coletivo.”[2]

 

Martins (1998: 69) explica que o critério adotado pela mídia escrita em alguns casos de colocação do pronome oblíquo átono em relação às locuções verbais é o de pospor o pronome ao verbo auxiliar, e não ao verbo principal no infinitivo ou gerúndio, como prescreve a gramática tradicional.

 

Apesar de a linguagem escrita valorizar o emprego adequado do subjuntivo, do futuro do pretérito e do pretérito mais-que-perfeito em produções textuais, como esta passagem citada por Caruso (2002: 59),

 

“Se Jesus voltasse à Terra nos dias de hoje, dificilmente andaria de jumento por uma metrópole como São Paulo.”[3]

 

o purismo gramatical sugerido pelo uso desses modos e tempos verbais dilui-se quando o leitor, em seu conhecimento de mundo, inferir a impossibilidade de um jumento andar pelas ruas de São Paulo nos dias de hoje, mesmo conduzindo Jesus Cristo!

 

A sintaxe bem elaborada sem os habituais anacolutos característicos da linguagem oral aparece no texto escrito, a fim de não atropelar a seqüência temática da oração, como é possível observar nesta Campanha Publicitária dos Relógios Dumont, veiculada há pouco na mídia em geral:

 

“A Dumont deu uma grande virada no seu tempo. Basta um toque no mostrador para que seu Dumont Faces se transforme em um sofisticado bracelete. Se você preferir, use o sistema “double side” com duas opções de pulseira a sua escolha: dourada ou mista. Agora, para usar um lindo relógio, ou um requintado bracelete, só depende da hora, da ocasião e de você.”

 

No entanto, a marca da segunda pessoa do singular no emprego do pronome de tratamento você e o uso do imperativo afirmativo do verbo usar, recursos da oralidade, buscam, de forma sedutora e proposital, a aproximação do leitor com o produto.

 

Sob a mesma ótica, pode-se observar a Campanha Publicitária do Sabonete Lux. Ao lado da clareza na redação, sem omissões e ambigüidades no interior da frase, características das construções gramaticais escritas, há um grau de intimidade em seu conteúdo, há a familiarização do produto, como se a empresa produtora do sabonete conhecesse a pele do consumidor alvo:

 

“Sabonete líquido Lux Luxo. Melhor do que qualquer sabonete, porque restabelece o equilíbrio ideal da pele. Do jeito que você sempre quis. O que sua pele exige, ele tem.”

 

3. Considerações finais

 

Há que se observar a partir desse breve relato sobre a prática cotidiana do ensino da língua portuguesa que, apesar de a sociedade ainda privilegiar o registro culto da linguagem, há a possibilidade de a prática do ensino da língua materna reverter esse preconceito desvelando aos alunos o uso da modalidade oral, haja vista o contínuo  (se não diário) papel desempenhado pela mídia nesse sentido.

 

Como nos orienta Camacho (2000: 72), é possível solucionar esse conflito, acreditando nas diferenças e propor uma nova prática para o ensino da língua materna, nem substituindo o registro padrão, nem desvalorizando o informal. É preciso o bom senso do professor em distingui-los adequadamente, permitindo ao aluno o conhecimento e o uso adequado dos mesmos de acordo com o contexto enunciativo.

 

E, trabalhando essa idéia na prática, foi que aqueles alunos (agora menos assustados) entenderam os versos de Oswald de Andrade[4]:

 

“Dê-me um cigarro

Diz a gramática

Do professor e do aluno

E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco

Da Nação Brasileira

Dizem todos os dias

Deixa disso camarada

Me dá um cigarro”.

 

RESUMO: Este trabalho objetiva refletir sobre o ensino de língua portuguesa nos cursos de Publicidade e Propaganda e Jornalismo, valorizando tanto as características da linguagem oral quanto a padronização da escrita estabelecida pelos textos da mídia.

 

PALAVRAS-CHAVE: linguagem oral/escrita; ensino/aprendizagem de português.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ANDRADE, Maria Margarida de; HENRIQUES, Antonio. Língua portuguesa: noções básicas para cursos superiores. São Paulo: Atlas, 1996.

CAMACHO, Roberto Gomes. Sociolingüística – parte II. MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina. Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2000.

MARTINS FILHO, Eduardo Lopes.  Manual de Redação e Estilo de O Estado de S.Paulo. 3.ed. São Paulo : O Estado de São Paulo, 1998.

PERINI, Mário A. Sofrendo a gramática. 3.ed. São Paulo: Ática,2001



* Agradecimentos especiais aos alunos dos cursos de Publicidade e Propaganda e Jornalismo do Centro Universitário de Araraquara – Uniara, por tornarem possível esta reflexão.

[1] TOLEDO, Roberto Pompeu de. Saudade do televizinho. Revista Veja, São Paulo, n. 1740, p. 122, 27 fev 2002.

[2] SACCOMANDI, Humberto. Renascimento inspira irmãos Taviani. Folha de S. Paulo. 16 maio 2002, p. 5-5.

[3] CARUSO, Marina. De Jesus. Revista IstoÉ. São Paulo, n. 1694, p. 59, 20 mar 2002.

[4] ANDRADE, Oswald de. Literatura Comentada. São Paulo : Abril Educação, 1980, p.22-3.