Jaqueline de Moraes FIORELLI (doutoranda ECA-USP)
Abstract: This work intends to verify the
learning changes connected to hypertext reading and the role played by links.
Thus reading/writing teaching is re-evaluated to the light of these new
developments, once hypertext may promote a new kind of learning that is dynamic
and autonomic, leading to a course organization redirecting.
KEYWORDS: hypertext; information; reading; writing; teaching
0.
Introdução
A revolução tecnológica que
ocorre no atual contexto provoca uma integração, uma nova lógica
comunicacional, um novo modo de organização de conhecimentos, cuja metáfora é a
rede que se virtualiza sob a forma de hipertextos. Assim, consideramos
importante um estudo aprofundado desse novo tipo de discurso para que tenhamos
clareza acerca de que forma alinearidade e a abertura a múltiplas conexões vão
interferir no modo como o indivíduo constrói o conhecimento. Nesse sentido,
destacamos o uso dos hipertextos, de modo especial, no contexto educacional,
buscando avaliar, ainda que provisoriamente, quais as interferências que já são
sentidas no processo ensino/aprendizagem.
1. Perspectiva Teórica
Ao se aprofundar o estudo do hipertexto, é lícito retomar Vannevar Bush e seu famoso artigo “As We May Think”. Nesse trabalho, Bush apresentou a idéia da mente enquanto rede de associações e propunha um dispositivo de indexação para a organização de informações, denominado por ele como Memex. Esse artigo tornou-se fundamental para a concepção desse considerado novo tipo de discurso.
Porém, Bush não foi o primeiro a conceber um sistema organizacional de informação, visto que, em 1934, Paul Otlet, preocupado com o fato de que a informação disponibilizada não se apresentava organizada para o usuário, junto a seus colaboradores, como La Fontaine, entre outros, propôs a Universal Decimal Classification (UDC), que muitos vislumbram como embrião de uma escrita universal, que apresentaria, de fato, uma visão hipertextual de organização de informação.
Se hoje, dado o grande fluxo de informações,
temos dispositivos eletrônicos que
auxiliam no estoque e disponibilização da informação e não conseguimos conceber
um sistema de organização que não aquele virtual, ao mesmo tempo, de modo
paradoxal, fazem-se presentes algumas questões com que Otlet e seus
colaboradores se detiveram. Ou seja, como transformar esse grande fluxo de
informação em conhecimento real e até em que medida todo esse sistema está
realmente colaborando para que a sociedade faça bom uso da informação
disponibilizada.
Para muitos estudiosos, hoje a troca de informações/saberes se dá num novo espaço, o ciberespaço, ampliando quantitativa e qualitativamente o campo de conhecimento. Segundo Trivinho (1999:180), o ciberespaço é toda estrutura transnacional de comunicação interativa. O autor ainda acrescenta que esse novo espaço redimensiona o tradicional esquema de comunicação, já que, como em nenhum outro meio, a comutabilidade entre os agentes é condição sine qua non, o que suscita uma revisão de toda a Teoria da Comunicação, pois, segundo Trivinho (1999:187), o ciberespaço está além das potencialidades convencionais dessa teoria, na medida em que transborda aspectos dificilmente assimiláveis por ela.
Essa revisão do esquema de comunicação suscita um redimensionamento em muitos campos de atuação, especialmente o educacional, pois, se um novo receptor está surgindo, é preciso que a Escola faça uma reflexão a respeito de como vai trabalhar com ele e como vai ajudá-lo a lidar com o conhecimento.
Assim, numa sociedade que tem como paradigma a metáfora de conhecimento a rede, virtualizada em hipertextos, emerge, portanto, a figura de um sujeito que, aberto a múltiplas conexões, num contexto em freqüente transição, busca-se ligar aos demais. Cada um, de fato, constitui um “nó”, participante de um grande hipertexto, que é a própria humanidade. Estamos, a todo momento, sendo convidados a fazer parte dessa navegação, a contestar as verdades absolutas, a reinventar idéias e divulgá-las.
Contudo,
ainda que estejamos já imersos num contexto de grandes mudanças, as discussões
acerca de como as novas tecnologias estão redimensionando a relação
homem/conhecimento pouco mobilizaram o contexto escolar. De fato, mesmo se o
mundo hoje se configura em redes múltiplas e conectadas, o conhecimento na sala
de aula ainda é linear, hierarquizado e centrado.
Num ambiente hipertextual, o conhecimento se constrói não de forma linear, mas as múltiplas possibilidades de conexão entre os nós, a ausência de um percurso fixo e a abertura a transformações ressignificam a concepção acerca da leitura/escrita, bem como se cria uma nova maneira de articular idéias.
O
hipertexto, na realidade, rompe com aquela estrutura tradicional do texto de
começo, meio e fim. Essa ausência de um esquema fixo de leitura parece conduzir
o leitor a uma desordem, comprometendo, talvez, a sua compreensão do que está
sendo lido. Muitas pesquisas recentes estão se centrando no fato de que a
navegação em um hipertexto pode representar uma real dificuldade para aqueles
que não estão habituados a um tipo de texto sem um centro definido, que
subverte constantemente as noções de começo, meio e fim. Sem dúvida, como
afirma Johnson-Eilola (1994), sem objetivos bem concretos e definidos, o leitor
de um hipertexto tende a se perder durante a leitura ou até mesmo desistir
dela.
Segundo
Johnson-Eilola, a diferença central entre o hipertexto e o texto linear
consiste justamente no fato de que os leitores de um hipertexto têm um maior
grau de liberdade ao escolher os caminhos por onde quer navegar, o que permite
um maior número de opções. Nesse sentido, ao utilizar hipertextos, acrescenta o
autor, as pessoas não são somente leitores ou escritores, mas esses usuários
assumem os dois papéis.. Nesse sentido, até mesmo a noção de autoria deve ser
revisitada.
Said
(apud Furtado, 1995:172) escreve que
a decisão por onde começar a leitura de um hipertexto é o primeiro passo na produção intencional de sentidos. Sendo
assim, como não há limites rígidos em um hipertexto, este requer um leitor
atento que, com um conhecimento prévio suficiente sobre o tópico abordado no
hipertexto que irá navegar, saiba fazer as escolhas adequadas.
Um
hipertexto também rompe com a idéia de texto enquanto obra fechada, completa,
absoluta. Furtado (1995:172) assevera que, na realidade, ao ligar um bloco de texto com múltiplos outros, o hipertexto destrói
não só o isolamento físico do texto, como também as atitudes originadas por
esse isolamento.
Bolter (2001:35) observa que as conexões
de um hipertexto constituem caminhos de sentido tanto para o leitor quanto para
o autor.
Porém, essas relações de sentidos vão estar vinculadas às escolhas feitas pelo
leitor para chegar a determinado tópico. Isso significa dizer que os sentidos
que podem ser construídos em um hipertexto são em maior número que aqueles
obtidos a partir da leitura de um texto linear.
Assim, continua Bolter, dado que o hipertexto não
apresenta uma ordem canônica, invariavelmente haverá uma mudança entre o leitor
e o texto. Se, muitas vezes, os textos considerados “tradicionais” são
revestidos de uma certa autoridade (e, às vezes, autoritarismo) que impele o
leitor a fazer a leitura prevista pelo autor, isso tende a ser
significativamente menor em hipertextos.
Smith (1994) acredita que uma característica básica
dos hipertextos, considerada por ela como sua característica essencial, seriam
os nós de informação e seus links (interconectores). Marcuschi (2001) aponta
como interessante essa visão da autora, visto que, para ela, mais do que a
alinearidade e o descentramento, os hipertextos se caracterizam por apresentar
as unidades de informação e os links. Nesse sentido, somos por Smith levados a
refletir acerca de quais são as motivações que levam os autores de hipertextos
a criar os nós e seus links.
Verificar o que está por trás da seleção de links é,
no dizer de Charney (1994:241), assumir o fato de que os escritores de
hipertextos podem prever as necessidades de seus leitores de tal
forma a criar um determinado conjunto de caminhos, permitindo que o leitor
possa acessá-los.
Burbules (1998) também considera o link uma questão crucial nos
hipertextos. Conforme aponta, ainda que todos os links sejam acionados da mesma forma e levem ao
mesmo resultado, subjaz a cada um uma relação sêmica distinta. Isso o faz concluir que há diferentes tipos de links
que conduzem a diversos tipos de associações, que podem revelar a nossa
familiaridade com o link selecionado em um determinado hipertexto ou mesmo
a nossa tentativa de buscar saber por que o autor daquele hipertexto selecionou
exatamente aquele determinado link. Desse modo, Burbules acredita que os links não estão simplesmente
justapondo dois textos que mantêm entre si alguma relação, mas, mais do que
isso, eles são reveladores das intenções de quem produziu o hipertexto.
Bolter (2001:27), por sua vez, afirma que um link pode conduzir o leitor a
um texto ainda maior, a uma página mais elaborada. Esse teórico do
hipertexto, reiterando Burbules, também chama a atenção para o fato de que os links
podem tornar a estrutura do site transparente ao serem apresentados, por exemplo, como o menu que serve de guia para o
leitor da página da WEB. Bolter também compara os links com as notas de rodapé que fornecem
informação adicional ou documentam o que está na página.
Alguns links, de acordo com Bolter, são circulares e o leitor não
necessariamente volta à página inicial, enquanto que outros são chamados pelo
autor como associativos, visto que podem conduzir o leitor a outras páginas da WEB que, de
alguma forma, estabelecem uma relação com a anterior. Ele reafirma as
considerações de Burbules ao asseverar que os links constituem a retórica do
hipertexto (p.29).
Snyder (1998) reitera a noção de que, em hipertextos,
escritores e leitores alternam seus papéis e também a visão de que os
hipertextos vão, de algum modo, redimensionar o modo como lemos e escrevemos,
da mesma forma que nos faz questionar a maneira como trabalhamos com o ensino
da escrita e da leitura e, de modo geral, com o ensino como um todo. Nesse
sentido, ela procura discorrer acerca da presença de hipertextos no contexto
escolar.
A utilização de hipertextos na escola, de acordo com
Snyder (p.128), tem provocado controvérsias. Para muitos, o fato de o
hipertexto apresentar múltiplas vozes e interpretações permite que haja uma
melhor comunicação entre as pessoas, além de provocar uma democratização de
saberes e promover uma ruptura entre as disciplinas; para outros, o hipertexto
ainda encontra em seus primórdios, ainda que tenda a revolucionar o
desenvolvimento intelectual, assim como aconteceu com a invenção da escrita.
Do nosso ponto de vista, concordamos com as duas
visões, visto que, ainda que seja novo como tecnologia, o hipertexto já provoca
sensíveis mudanças quanto ao modo de construir e processar a informação. Mesmo
assim, a autora revela que muitas críticas apontam para um fetichismo diante de
uma novidade, além de alegar que a hipertextualidade pode gerar confusão e
sobrecarga cognitiva.
Essas discussões devem ser tomadas como uma
conseqüência natural. Assim como as mais variadas reações ocorreram a partir do
surgimento da imprensa, o mesmo ocorre diante dessa nova tecnologia
intelectual. O que não pode ocorrer é a Escola ficar à margem de tudo isso, sem
avaliar de que forma essa nova tecnologia interfere em sua dinâmica.
Embora não faça eco a visões por demais otimistas,
Snyder aponta o fato de que, para muitos teóricos do hipertexto, como Bolter e
Landow, é possível encontrar nos hipertextos características significativas da
pós-modernidade. Por outro lado, para Snyder, o hipertexto não deve ser visto
apenas como um representativo das teorias pós-modernas, mas ela enfatiza o
potencial que o hipertexto apresenta para o contexto educacional.
Considerando a grande contribuição que pode advir
para o processo de ensino/aprendizagem a partir da utilização de hipertextos,
Snyder (p.135) assevera que os aspectos advindos do uso de hipertextos incluem a
promoção de uma aprendizagem mais ativa e independente, mudanças quanto ao modo
de ensinar e quanto à organização curricular, assim como desafios quanto nossos
conceitos sobre ensino.
Para Snyder, o hipertexto é, ao mesmo tempo, um
instrumento de ensino e aprendizagem. Porém, isso requer que os envolvidos no
contexto escolar estejam preparados para lidar com a autonomia diante do saber
que o hipertexto suscita. Assim, é preciso formar mestres que saibam ser eles
mesmos co-autores dos textos que lêem para que possam ensinar seus alunos a
sê-lo também.
Assim, desse modo, cremos que, o hipertexto, ao invés
de facilitar a função do professor na
sala de aula, vai exigir dele um papel muito mais ativo como colaborador no
processo de aprendizagem. Snyder considera que uma sala de aula que utiliza o
hipertexto pode mudar o papel assumido pelo professor que deve formar alunos
críticos, detentores de estratégias cognitivas que lhes permitam, retomando
Burbules, inferir as intenções presentes nos links, para que possam fazer as conexões
adequadas entre os nós de informação.
2. Conclusão
Assim, em resposta a essa nova ordem, o hipertexto suscita uma nova perspectiva quanto à leitura e escrita, sendo detonador de uma discussão ainda mais ampla. Se o hipertexto é considerado como metáfora para o conhecimento em rede, deve ser estudado não só do ponto de vista lingüístico, mas outros ramos do saber deverão estar enriquecendo os olhares que se debruçam sob esse novo tipo de discurso.
Acreditamos que, num futuro ainda não previsto, os
currículos, refletindo o modo como se conectam esses novos agentes sociais,
possam ser organizados em rede, a fim de que a escola realmente auxilie o
indivíduo a superar os desafios que a pós-modernidade impõe. Os saberes, nessa
nova concepção, deixarão de ser estanques, hierarquizados, fragmentados, mas passarão,
de modo efetivo, num esforço comum entre as disciplinas, a serem construídos
coletivamente.
RESUMO: Esta pesquisa busca verificar quais as mudanças
decorrentes da leitura em hipertextos e o papel desempenhado pelos links.
Assim, o ensino de leitura/escrita é reavaliado à luz desses novos
encaminhamentos, visto que o hipertexto pode promover um novo tipo de
aprendizagem, dinâmica e autônoma, suscitando um redirecionamento na
organização curricular.
PALAVRAS-CHAVE: hipertexto;
informação; leitura; escrita; ensino.
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