REFLEXÕES SOBRE EMPREGO DE NOVAS TECNOLOGIAS EM UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO DE INGLÊS INSTRUMENTAL NA PUC-SP

 

 

Prof.a Dra. Elizabeth Harkot de La Taille

Pontifícia Universidade Católica da São Paulo

 

INTRODUÇÃO

 

Como preliminar, faz-se necessário apontar as premissas de um curso instrumental em língua estrangeira. Diferentemente de um curso tradicional, o contexto de ensino/aprendizagem instrumental não se preocupa com o desenvolvimento integrado das quatro habilidades (fala, compreensão, leitura e redação), mas estabelece um plano objetivo de trabalhos em que, idealmente, aliam-se as necessidades pessoais dos alunos, suas necessidades profissionais, seu conhecimento de mundo e seus conhecimentos específicos, sobre a área de atuação em questão. A leitura em língua estrangeira é a habilidade mais solicitada. Para seu desenvolvimento, associam-se aos quatro fatores acima explicações sistêmicas que se façam necessárias, assim como o cultivo de estratégias diante de vocabulário novo, inclusive estratégias de uso de dicionário. Nesse sentido, a “boa leitura” de um texto é aquela que permite cumprirem-se os objetivos de leitura previstos: encontrar um determinado número de telefone; descobrir os preços e condições de pagamento de um aparelho que se necessita comprar; entender o funcionamento de um software recém-adquirido; e assim por diante. A leitura de “decodificação”, palavra a palavra, apoiada num árduo e infrutífero trabalho de tradução termo a termo, colada no dicionário, é fortemente desestimulada, embora constitua um hábito muito freqüente, entre nossos alunos, e de difícil superação.

 

Colocadas essas preliminares, situemos, agora, as coordenadas e características dos alunos participantes. O grupo, profundamente heterogêneo, consistiu em cinqüenta jovens adultos, entre 18 e 30 anos, alunos do curso de Tecnologia e Mídias Digitais da PUC-SP, inscritos na disciplina Inglês Instrumental II, no segundo semestre de 2001, divididos em duas turmas. Cada turma formava um conjunto cuja competência lingüística em inglês variava de nula a boa; igualmente discrepante eram a familiaridade com o uso de computadores e a experiência na área de tecnologia e Mídias Digitais, quesitos nos quais encontravam-se de alunos iniciando seus contatos com a tecnologia a alunos ganhadores de prêmios por trabalhos técnicos, na área. Finalmente, o grupo apresentava pouca, até incipiente, experiência de trabalho em projetos cooperativos, estes, por muitos, entendidos como uma simples divisão de tarefas em partes, seguida de sua justaposição.

 

Brevemente descritas as características do grupo, passemos às condições de trabalho discente e docente, no contexto dessa disciplina.

 

Condições de trabalho

 

O ambiente TelEduc (UNICAMP/PUC-SP) possibilita ao professor a inserção de atividades e links de sua escolha e de materiais em formatos variados, inclusive com recursos de imagem e som. Permite ainda gerenciarem-se os acessos e atividades dos alunos, individualmente, assim como consultarem-se os registros de suas atividades, além de tornar possível a monitoração e a orientação do desenvolvimento dos trabalhos em grupo.

 

Ao aluno o ambiente proporciona o acesso individual a atividades, links, materiais de apoio (alimentados pelo corpo docente), fórum, chat, correio interno com colegas e/ou professor, além de tornar possível a formação de grupos e a troca de informações, restritas ao mesmo ou compartilháveis com a classe.

 

Nesse contexto, um conjunto de atividades foi desenvolvido com o fim de se promoverem a complementação das aulas e a expansão do universo de estudo e das oportunidades de emprego da Língua Inglesa.

 

Atividades propostas

 

Três enfoques foram propostos ao longo do semestre, com objetivos distintos cada, atinentes às necessidades de alunos de nível universitário, no tangente à Língua Inglesa. Cada enfoque passa a ser descrito isoladamente, por questão de clareza, embora as atividades de cada tipo tenham sido realizadas em diversos momentos do curso, por vezes, sobrepondo-se e se complementando. Para cada tipo, a título de ilustração, fornece-se um exemplo representativo das atividades realizadas.

 

Em primeiro lugar, propuseram-se tarefas individuais, visando à reflexão do aluno sobre si mesmo, enquanto aprendiz, e suas estratégias de aprendizado. Das tarefas empregadas, destaca-se aqui o material VARK Questionaire[1], série de perguntas, com respostas em múltipla escolha, compondo, no final, um esboço do estilo de aprendizagem preferencial revelado pelas respostas fornecidas. Tal “perfil do aprendiz”, descrito como visual, oral, cinestésico ou apoiado em leitura, é complementado por pequenos textos explicativos e propostas de exercícios de desenvolvimento dessas quatro formas de se relacionar com novas informações. O objetivo principal deste conjunto de atividades foi o de fomentar a reflexão do aluno sobre o próprio processo de aprendizagem, dirigir sua atenção aos próprios hábitos de enfrentamento de novas informações, que acabam por definir estilos de aprendizagem, e ajudá-lo a perceber que alguns hábitos são mais eficientes que outros e, mais importante, que os hábitos de aprendizagem têm plasticidade e podem ser modificados e enriquecidos, através da conscientização de estratégias e de exercícios, podendo o aluno interferir na forma como se relaciona com novas informações e torná-la mais eficiente.

 

Em segundo lugar, vêm as tarefas voltadas ao desenvolvimento de competências específicas à formação profissional. Foram propostas atividades e listados links em vários níveis de especificidade e dificuldade, sempre em Língua Inglesa, abarcando desde o processo de “letramento digital”, passando por tarefas visando ao refinamento de buscas, e chegando, inclusive, a atividades de pesquisa de soluções para problemas colocados no âmbito do curso, assim como sites dedicados à reflexão sobre o impacto e o papel da tecnologia, na vida atual. Em “Using the internet”[2], pode-se optar, inicialmente, por tarefas introdutórias ao uso da Internet e, gradualmente, escolherem-se atividades mais sofisticadas, chegando a links com sites sobre mecanismos de busca. Estes últimos apresentam as especificidades de determinados mecanismos de busca, explicações sobre estratégias de otimização de pesquisa digital, links para exercícios propostos e para artigos em que se debatem limitações e possibilidades desses mesmos mecanismos.

 

Finalmente, em terceiro lugar, pediu-se aos alunos a execução de um projeto cooperativo complexo, no formato de Web Quest. Tais projetos, quando sediados em páginas de vocação educativa, propõem uma tarefa-desafio, a ser realizada por grupos de estudantes, a partir de extensa pesquisa em materiais bibliográficos digitais e impressos, culminando na preparação e apresentação de uma página (homepage) do grupo, sintetizando seus achados. Trate-se de uma modalidade de boa receptividade, hoje em dia, de adoção por professores de todos os níveis escolares, em um número crescente de escolas, ao redor do mundo, principalmente devido ao caráter de construção de conhecimento e da exigência de cooperação, para sua realização.

 

O projeto escolhido[3], The Techno-Warp CyberQuest Time Travel Mission, propõe uma situação hipotética no ano de 2200, momento em que o planeta Terra corre riscos iminentes de destruição, por conta das conseqüências das opções de emprego da tecnologia, por seus governantes e habitantes anteriores e do momento. São fornecidas algumas descrições do estado do planeta e de seus habitantes, na data em questão, mas não explicações para suas causas, a não ser a menção sobre mau uso de tecnologia. Os alunos devem “voltar ao passado”, isto é, à data real presente, e mergulhar em pesquisas, com o objetivo de compreender a complexidade do impacto tecnológico, na história do cotidiano planetário, e refletir sobre os usos da tecnologia e suas decorrências, a fim de evitar a destruição do planeta, no ano de 2200.

 

Este Web Quest prevê, do ponto de vista da construção do conhecimento, o desenvolvimento de pesquisa sobre a evolução tecnológica passada e presente e sobre projeções futuras de seus usos e efeitos, para a humanidade. Os alunos trabalham em grupos de três, cada um assumindo um papel definido, com tarefas específicas a serem realizadas: o Historiador da Tecnologia dedica-se à compreensão da evolução tecnológica na história da humanidade; o Analista de Recursos debruça-se sobre o presente e busca identificar relações entre os empregos da tecnologia e suas conseqüências; e o Especulador de Tecnologia responsabiliza-se por, com o apoio de textos e discussões, lançar projeções sobre o futuro, no tangente aos usos da tecnologia e seus possíveis efeitos, para a humanidade.

 

A análise das informações recolhidas leva cada grupo a eleger exemplos de ótimo e péssimo emprego de tecnologia, tendo como foco seus efeitos para a humanidade como um todo, no passado, no presente, e nas projeções do futuro, para cada uma das quinze áreas de atuação humana que seguem:

 

a)       Educação;

b)       Negócios;

c)       Saúde;

d)       Comunicações;

e)       Lazer;

f)        Moradia;

g)       Ciência;

h)       Transportes;

i)         Religião;

j)         Esportes;

k)       Alimentação / Agricultura;

l)         Vestuário / Moda;

m)      Emprego;

n)       Legislação / Governo;

o)       Forças Armadas.

 

 O produto do trabalho, isto é, a síntese da pesquisa, da reflexão crítica exigida pela tarefa, culminando na eleição dos melhores e piores usos de tecnologia, para a humanidade, nas quinze áreas mencionadas, deve ser apresentado em formato de homepage, com links conduzindo a sites, em Língua Inglesa, contendo informações capazes de sustentar as escolhas realizadas.

 

Realização das atividades propostas

 

Antes de encetarmos este item, duas observações se fazem necessárias.

 

Por um lado, o relato que segue permite perceber, paralelamente a pontos positivos, várias dificuldades encontradas na realização das atividades. Na prática, a heterogeneidade do grupo também diz respeito às personalidades individuais e, mais importante, sobre suas visões a respeito do estudo em nível universitário, sobre o próprio papel, nesse processo, e até mesmo sobre o valor do aprender. Qualquer generalização, nesse ponto, torna-se, portanto, temerária e, mesmo, injusta.

 

Por outro lado, o relato vai apontar a uma diferença de “tempo”, no sentido musical, entre a realização das tarefas, a consciência dos alunos a respeito das mesmas e as expectativas do professor, ao longo do processo.

 

O primeiro tipo de atividades propostas, aquelas fomentadoras de auto-reflexão sobre hábitos e estilos de aprendizagem, foi realizado plenamente, nos momentos de sua submissão, por apenas 10 entre 50 alunos, inclusive no tangente aos exercícios propostos para desenvolver as estratégias pouco empregadas por estes alunos. Dos quarenta restantes, 11 jamais as acessaram e 29 as realizaram superficialmente, ao menos, no momento em que foram propostas.

 

A resistência mostrada pela maioria manifestou-se também em sala de aula, mais intensamente, nos primeiros momentos de discussão das atividades. Tal resistência se explicitava, principalmente, como decorrente de dificuldades dos alunos em entender a proposta, por esta figurar em Língua Inglesa. Na verdade, após uma primeira rodada de discussões, tornou-se claro que a proposta toda vinha encontrando pouca aceitação ou permeabilidade. Mais da metade dos alunos tendia a interpretar o próprio perfil, delineado pelo Vark Questionaire, como uma “fotografia” definitiva, imutável, um pouco no gênero de questionários de revistas de circulação. “Está bem, sou mais “visual”, e aí?” Ou “Esse é o meu jeito de fazer as coisas, sempre fiz assim, sempre resolvi minhas coisas assim. Não me interessa como outros fazem, cada um tem seu jeito.”

 

Tratava-se, portanto, de uma reação fundamentada muito mais na forma de enxergar a si mesmo em relação ao embate com novas situações de aprendizagem, do que na dificuldade com a Língua Inglesa, dificuldade esta verdadeira, porém secundária e, mesmo, em parte, conseqüência da primeira. As duas turmas de jovens adultos manifestavam uma forte tendência à cristalização dos hábitos anteriormente adquiridos. Daí o interesse inicial próximo a nulo, de quase 80% dos alunos, na leitura dos pequenos textos explicativos, a respeito das estratégias de abordagem de novas informações, e na realização dos exercícios de desenvolvimento das mesmas.

 

O objetivo principal, o de fomentar a reflexão do aluno sobre o próprio processo de aprendizagem e de propiciar-lhe autoridade sobre seus hábitos, parecia inatingível, para 80% dos alunos, ostensivamente posicionados como servos, no lugar de senhores, de suas condutas decorrentes de uma história pessoal alienante, no tangente ao aprendizado formal.

 

Todavia, os dez alunos que haviam “jogado o jogo” desempenharam um papel precioso, nas discussões e, paulatinamente, uma parte maior do grupo foi-se desarmando e refez as atividades, por interesse próprio. Do meio do semestre em diante, cerca de metade dos alunos haviam se deixado permear pela idéia e chegavam inclusive a estabelecer relações, mesmo se tênues, entre as diferentes estratégias de contato com idéias ou informações novas e sua utilidade, no contato com uma língua estrangeira: aliar o visual ao auditivo e à leitura não apenas era mais rico, mas, característica inerente ao conjunto, dotava o aluno de maior número de “pistas” para seu embate com um texto em outra língua. Vinte e quatro dos cinqüenta alunos, entretanto, não deram mostras de questionamento de suas estratégias, ao longo do curso.

 

O segundo tipo de atividades, aquele voltado ao desenvolvimento de competências profissionais, é de realização não contabilizável, o que, entretanto, não nos impede de afirmar, com tranqüilidade, ter encontrado boa receptividade, da parte dos alunos.

 

Fundamentalmente realizado a partir de visitas, via links, a páginas diversas, o ambiente TelEduc apenas nos permitia saber quais alunos abriram as janelas, alimentadas pelo professor, em que tais links figuravam. Em sala, porém, as repercussões se faziam visíveis: troca de endereços de sites interessantes entre alunos; sugestões, por parte de alunos, de novos endereços encontrados por navegação; troca de informações sobre aprimoramento do emprego de mecanismos de busca, e assim por diante.

 

A língua de apresentação dos textos não era vista como uma dificuldade intransponível, pela maioria dos alunos. A possibilidade de transferência para a preparação profissional, ou mesmo sua prática, em alguns casos, servia como elemento motivador capaz de suplantar a resistência à língua e capaz de preparar o “terreno” psicológico ao cultivo de algumas estratégias subjacentes ao aprendizado instrumental de uma língua estrangeira.

 

Convém ressaltar, aqui, que o ambiente em torno da realização do segundo tipo de atividades mais fortemente se aproximou do ideal do contexto dos estudos instrumentais: aliaram-se necessidades lingüísticas discentes e necessidades do universo profissional em foco, assim como com certo conhecimento de mundo para integrá-las. Entretanto, e descartando-se os casos insistentes de alunos satisfeitos com a “leitura” das seqüências desconexas produzidas por tradutores automáticos disponíveis na rede, o infeliz  e comum recurso à tradução termo a termo do texto continuava a ser empregado, no final do semestre, por cerca de um terço dos alunos, número que provavelmente teria sido muito maior, caso não tivessem sido propostas atividades voltadas à auto-reflexão e discussões sobre hábitos de estudo, estratégias de aprendizado e estilos de aprendizagem, além da repetida explicitação das estratégias de abordagem instrumental de um texto.

 

Por outro lado, a atmosfera em sala era de saudável acolhimento das informações a que os alunos passavam a ter acesso, muitas vezes tendo como fundo comentários como: “Ah, isso eu entendo para que serve!” ou  “Olha só como dá para melhorar a busca, usando isso aqui!”

 

O terceiro tipo de atividade integra os dois anteriores e propõe uma abertura do horizonte da sala de aula muito maior: trata-se do projeto cooperativo, descrito anteriormente. O Web Quest supracitado foi a única atividade realizada do terceiro tipo, devido à sua dimensão.

 

O projeto cooperativo ocupou um período de dois meses e meio de elaboração. Foram combinadas pesquisas em laboratório (quatro sessões de 100 minutos cada), no horário de aulas, e pesquisas realizadas pelos alunos (extra-classe), compartilhadas por seu grupo, monitoradas e subsidiadas pelo professor, por meio do ambiente TelEduc. A título de complementação e fomento à reflexão, exigiu-se a leitura de partes de Os sete saberes necessários à educação do futuro, de Edgar Morin (2000).

 

As seções de laboratório ocorreram de três em três semanas. Na primeira, foi-lhes apresentada a proposta e seu site, a fim de permitir ao grupo entender a magnitude da pesquisa envolvida e de compreender as funções da cada membro da equipe. Até a segunda sessão, foi-lhes pedido o registro de cada equipe, composta de três alunos, que trabalhariam em conjunto, e a definição de suas funções. Os componentes das equipes, suas funções e os ensaios preliminares de pesquisa eram registrados no ambiente de base (TelEduc). O professor acessava os registros das equipes duas vezes por semana, fazia comentários e sugestões, visando à integração das informações, para a elaboração do projeto, e fornecia mais algumas sugestões de endereços para pesquisa.

 

Na segunda sessão, as equipes já se encontravam definidas em quase sua totalidade. O tempo foi empregado em pesquisa e troca de endereços relevantes, entre equipes. Alguns exemplos de bons e maus usos de tecnologia em algumas áreas foram sugeridos aos alunos com maior dificuldade, pois a leitura via Internet ocorria em Língua Inglesa. Neste momento, início do mês de outubro, muitos ainda insistiam em fazer uso dos tradutores automáticos, como apoio para suas pesquisas, o que logo evidenciou a precariedade desses recursos e o conseqüente tempo perdido desses alunos.

 

O período entre sessões, novamente, foi acompanhado por monitoração, a partir das informações registradas pelos trios. Esperava-se que, na terceira sessão, os conteúdos já estivessem delimitados e o tempo fosse dedicado à sua integração, a fim de concluir o trabalho na quarta sessão, no formato mencionado de homepage, com links ativos relacionando o trabalho com sites que justificassem as escolhas realizadas. Entretanto, na terceira sessão, em final de outubro, cerca de metade das equipes ainda tinha um grande caminho a trilhar, principalmente, por quatro motivos:

 

a)       o ritmo e a intensidade das pesquisas haviam sido reduzidos, por várias equipes, por provável subestimação da quantidade e qualidade de pesquisa exigida pelo trabalho;

b)       alguns grupos continuavam a insistir em traduções automáticas de trechos, ao invés de investir na leitura dos mesmos, em inglês, e apresentavam pequenos textos incompreensíveis, inclusive para si mesmos;

c)       a falta de familiaridade com registros de referências bibliográficas e de materiais virtuais originou muitas anotações de referências incompletas ou incorretas, tornando sua localização trabalhosa e contra-producente;

d)       as informações sobre o passado, o presente e sobre as projeções para o futuro, obtidas pelo “Historiador”, pelo “Analista” e pelo “Especulador” , vinham sendo meramente justapostas, o que produzia, no lugar de um trabalho coeso, uma espécie de “colcha de retalhos” de dados sobre momentos da humanidade e seus recursos tecnológicos.

 

A terceira sessão, portanto, idealmente prevista como levando ao fechamento dos dados, foi um momento de intensa discussão e correção de rotas, no qual ocorreram trocas e ajuda mútua, paralelamente a alguns grupos blasés, aparentemente satisfeitos com o que já haviam pesquisado. O novo período entre sessões foi ocupado de maneira semelhante aos anteriores. É importante apontar que a orientação do professor se fazia tão mais presente quanto mais os alunos registravam a evolução de seus trabalhos. Se cerca de um terço das equipes esforçava-se por realizar suas pesquisas, trocar informações, registrar seus dados e se corresponder com colegas e professor, os outros dois terços faziam registros lacunares, ou nenhum registro, pouco trocavam idéias e forneciam escasso material para discussão ou orientação, tornando a relação professor/equipes mais caracterizada como cobrança e menos como cooperação e orientação. Nessa fase, toda a comunicação entre professor e alunos pressupunha a manutenção do cronograma, em que a última sessão seria dedicada à conclusão do trabalho.

 

Chegada a quarta sessão, uma semana antes da data prevista da apresentação dos resultados, seis dos dezesseis grupos efetivamente trabalharam na programação de sua homepage, modo previsto de apresentação do trabalho. Os outros dez grupos, em situações distintas, face à conclusão da atividade, ocuparam-se com novas rodadas de pesquisa e esforço de integração dos dados. Três grupos entraram em conflito e ameaçaram se desfazer e desistir. Numa atmosfera tensa, de ritmo intenso de busca de dados, vários alunos diziam que jamais estariam prontos para a semana seguinte e muitas queixas de falta de colaboração de colegas se verbalizaram.

 

Uma semana mais tarde, quinze trabalhos foram apresentados, sendo treze de responsabilidade de equipes e dois de indivíduos de uma equipe rompida. Duas equipes e um aluno isolado não apresentaram resultados. Dos quinze trabalhos apresentados, onze encontravam-se bastante completos e com links ativos, quatro continham muitas lacunas e problemas com vários links inativos ou errados. De quinze, seis trabalhos traziam trechos ininteligíveis, claramente copiados e colados de um tradutor automático, como os parágrafos abaixo, tentando apontar exemplos positivos e negativos de emprego de tecnologia (é a isso que se refeririam as palavras “Melhor” e “Pior”, abaixo), nas áreas de religião e emprego, retirados de um trabalho quase inteiramente nesse formato:

 

Tecnologias em Religião

 

A Melhor:

 

Tecnologia encorpora uma doutrina de millenarianism religioso promissor o transcendence de vida mortal. Isto é a realização desta tese provocante para primeiro plano que religião e tecnologia estão não tanto opondo projetos históricos mas melhor que eles estão fundamente intertwined. Nobre traça os formulários variados em que convicções religiosas têm estimuladas ciência e tecnologia acima dos últimos mil anos e examina como eles ainda formam seu desenvolvimento corrente.

 

Pior:

 

essas tecnologias não têm encontradas necessidades humanas básicas porque, nas fundas, eles têm nunca realmente eles. Eles têm estado apontado melhor na meta do loftier de transcender tais assuntos mortais juntamente. Em tal um contexto do ideological, inspirado mais por profetas que por lucros, as necessidades nenhum dos mortais nem da terra eles habitam estão de qualquer consequência duradoura. E isto está aqui que a religião de tecnologia pode ser justamente considerada uma ameaça.”

 

Tecnologia em Emprego

 

A Melhor:

 

O desenvolvimento de uma economia da empresa, é uma estrutura para a qualidade, as inclusões de equipamentos para produções e rapidez, é a melhor tecnologia aplicada nas empresas.

 

O Pior:

 

Os desempregos sobem porque não há demanda bastante aos produtos de trabalho. A qualificação de pessoas que o mercado de trabalho exigem, inúmeras pessoas não tem estas qualidades requeridas pelas empresas. [4]

 

A maior parte dos trabalhos, nove entre quinze, felizmente, não apresentou os problemas acima, a não ser ocasionalmente. Em formato atraente, com conteúdo convincente e com links ativos, permitindo serem usados como material de referência, em sua maioria, tiveram boa receptividade e foram indicados para a exposição anual dos trabalhos discentes, depois de feitas as correções necessárias. A título de exemplo, reproduzimos abaixo a tela de apresentação dos resultados de uma equipe[5]. Os itens sublinhados, quando na tela de um browser (programa navegador), “acendem” textos, por exemplo, em “Science”, sobre a justificativa de “Santos Dumont” exemplificar um uso positivo de tecnologia e “Bomba atômica”, um negativo, e conduzem a links com argumentos, em inglês, de apoio às escolhas feitas. Os resultados limitaram-se ao passado e ao presente, por negociação com o professor:

 

Trabalho de Inglês

 


SITES

Áreas

Passado

Positivo / Negativo

Presente

Positivo / Negativo

Education

 

 

Nasa

 

Business

Tratores na agricultura

1929 Câmbio de Nova York

Cartão de Crédito

Indústria do tabaco

Health/Medicine

Coração artificial

Raio X – Parte nociva

Cirurgia a laser nos olhos

1° Clone de embrião humano

Communications

Criação do telefone

 

Transmissão via satélite

Interferência do celular

Entertainment/Leisure

Disney World

A morte de Ayrton Senna

História do DVD

Cultura da violência na TV

Home/Housing

Casas - Trailers

 

Auto limpeza de casas

 

Science

Santos Dumont

Bomba Atômica

História dos Robôs

Guerra biológica – Anthrax

Transportation

Bicicleta

Desastre do Zeppelin

Air Bag

Poluição dos automóveis

Religion

Acadêmia Americana de Religão

Galileo e a Inquisição

 

 

Sports

Surgimento do futebol

A violência do boxe

Tetracampeonato do Brasil

Acidente com Alex Zanardi

Foods & Agriculture

Criação da Pizza

 

Reflorestamento aéreo

Alimentos trangênicos

Clothing/Fashion/Garments

Jeans

 

Monte seu tênis

Roupas pesadas dos astronautas

Employment

 

 

Trabalho em casa

 

Legal/Government

Programa espacial americano

Vietnã

e-Government no Brasil

Escândalo de Bill Clinton

The Military

Colete à prova de balas

 

 

Testes nucleares

 

 


FIGURA 1: Tela de abertura do trabalho de Antonio Marcos Ficiano, Daniel Barboza e Marcelo Lanzilotti.

 

 

 

CONCLUSÃO

O leitor terá notado a reiteração da palavra “informação”, ao longo do texto, e é por intermédio dela que tentaremos, agora, resgatar a questão a nosso ver principal, a respeito de mudanças qualitativas, muito mais que quantitativas, na relação professor/aluno e na relação do aluno e seu processo de aprendizagem. O grande desafio a ser encarado – e que não diz respeito apenas à presença da tecnologia, mas que se torna muito mais presente e evidente por seu emprego, como apoio ao aprendizado (de línguas, aqui) – reside no fato de o acúmulo de informações não implicar construção de conhecimento. Mais, facilmente, aliás, a profusão de informações soltas, desconexas, flutuantes, no universo cognoscível, vem contribuindo, em nosso meio, a um crescente cinismo em relação ao conhecimento, na medida em que, aliada à “filosofia” do consumo, facilita o descarte de qualquer dado, em favor de outro mais recente ou mais atraente.

 

Se o leitor nos permite uma breve digressão, parece-nos sintomático que, paralelamente ao império da informação, observamos crescerem as vendas de itens relacionados a misticismo e a auto-ajuda. Fulano é explosivo e causa desentendimentos que atrapalham seu progresso profissional, sua vida amorosa? Ora, não deve perder tempo analisando a situação, nem investindo em formas de melhorá-la ou de superar sua agressividade desenfreada: basta comprar e carregar consigo uma mostra do cristal X, ou ingerir comprimidos K, e as forças benéficas e irrefutáveis desses produtos vão resolver seu problema, em seu lugar. O cristal X não funcionou? É só adquirir a rocha Y, um tanto mais cara, mas de garantia comprovada (mesmo se quem o “comprova” é quem a vende)!

 

Há pouco tempo, numa rádio de São Paulo, a simpática voz da jornalista informava e convidava o ouvinte:  “Os médicos pediatras estão se organizando para pedir a restrições à venda do artigo nnnn, por alegarem ser perigoso, podendo inclusive ocasionar sufocação, com risco de morte, a crianças menores de três anos. E você, ouvinte, o que acha? Participe! Diga você também se acha o produto nnnn perigoso! Não deixe de dar sua opinião! Democracia é isso! Ligue agora mesmo para ...”

 

O leitor há de nos conceder que tal digressão, embora não tenha relação direta com nosso tema, retrata um fenômeno mais amplo que, em sala de aula, manifesta-se por uma tendência crescente, de difícil mensuração, mas de percepção, nem tanto: todas as informações se equivalem, a hierarquia de valores está em extinção, tem pecha de ser “anti-democrática”. A posição da comunidade pediátrica vale tanto quanto a opinião de um ouvinte de rádio, seja qual for sua área de atuação, seja qual for seu grau de conhecimento do assunto. Em suma, existe, sim, muita informação, mas predominantemente provocando reações afetivas a que chamamos opiniões – e não é demais lembrar que as questões de opinião se colocam proporcionalmente à nossa ignorância, basta imaginar o absurdo da “opinião” de que a água ferve a 100º C, ou a 200o C! - , e pouca reflexão dando origem a conhecimento. “Está difícil entender determinada idéia? Descarte-a, troque-a por outra mais palatável, pois não há tempo, muito menos desejo, com tanta informação nova ‘saindo’, para perder com idéias pouco ‘user-friendly’.”

 

O relato do primeiro tipo de atividades realizadas com os jovens universitários[6], focalizou principalmente a resistência inicial, da maior parte do grupo. O processo de auto-reflexão é lento e penoso, a resistência é uma reação esperada e proporcional à dificuldade pessoal encontrada. Está longe de ser “tempo perdido”, entretanto, como as conquistas dos alunos que o enfrentaram foram suficientes para mostrá-lo. Além disso, houve o efeito “contaminador”, que convenceu outros alunos a juntarem-se à empreitada.

 

Em seguida, as atividades voltadas à formação profissional evidenciaram a abertura ao novo, principalmente quando imediatamente relacionado aos interesses individuais e, mais importante, à generosidade, no compartilhar de dados entre os colegas, trazendo a dimensão do grupo, seus interesses e necessidades, à baila, senão de forma integrada, pelo menos enquanto somatória.

 

O terceiro tipo de atividade, o projeto cooperativo, evidenciou a limitação da abertura a trocas, na medida em que exigiu mais do que uma relação “comercial” de informações, do tipo “encontrei isso, preciso daquilo”. Nesse contexto, as informações precisaram ser discutidas, contrapostas, comparadas... e ressurgiram a resistência e o descomprometimento de vários alunos, inclusive, em alguns casos, gerando conflito intra-equipes. Algumas dificuldades de ordem prática exigiram ser tratadas, como o aprimoramento das notações de referências, como a insustentabilidade do recurso à tradução automática, mas o principal foco voltou sempre ao valor atribuído às informações coletadas.

 

A relação requerida, do aluno pesquisador em parceria com o professor orientador, nem sempre conseguiu se estabelecer. Em várias ocasiões, a liberdade de pesquisa, proporcionada pela WWW, quando associada a descomprometimento e/ou a resitência gerava meramente uma relação de “dupla-heteronomia” do aluno: em relação ao professor, esperava que este ditasse o que fazer, para executar a tarefa e obter sua nota; em relação à pesquisa, esperava que os dados, predominantemente coletados na WWW, de fontes de orientações diversas, pudessem ser meramente encadeados, produzindo um conjunto satisfatório.

 

Na maior parte dos casos, porém, é possível dizer que a proposta atingiu seus objetivos: alunos assumiram o papel de pesquisadores, enfrentaram o desafio do diálogo, com seus pares e trataram criticamente os dados recolhidos. Onze, dentre quinze trabalhos, foram concluídos satisfatoriamente, dos quais nove explicitando um grande cuidado no trato dos dados e na apresentação das fontes. Nesses casos, a liberdade e o poder de satisfação da curiosidade, proporcionadas pela Internet, aliados à responsabilidade do aluno, em relação a seu trabalho e a seu processo de aprendizagem, contribuíram para o desenvolvimento de sua autonomia intelectual.

 

Dissemos anteriormente que a tecnologia pode favorecer a autonomia e a independência. Pode, mas não o faz por si só, até porque não é papel seu, mas da pessoa que dela faz uso. A bem dizer, é mais favorecida a relação de heteronomia e dependência, quando se trata de emprego de recursos tecnológicos, do que o contrário: atentemos ao padrão de conteúdo dos trabalhos apresentados por muitos alunos com acesso a Internet: “trabalhos” belamente “embalados”, dotados de muitas páginas, as quais preenchidas por blocos de textos copiados e colados de diferentes fontes, sem uso de aspas, muitas vezes sem nem as referências da origem dos trechos de textos. Pouco se redige, o conceito de autoria de texto parece se reduzir ao trabalho de colagem, não de informações, mas de parágrafos inteiros, retirados daqui e dali; “texto” parece nivelar-se à justaposição de frases. Um episódio ilustra bem tal crítica: um professor, amigo nosso, ao chegar em casa, viu a filha de 11 anos imprimir um trabalho de 21 páginas sobre a civilização Maia. Admirado com o volume do trabalho, perguntou à filha o que era aquilo tudo. “É um trabalho para a escola.”, respondeu a filha, aluna de 5ª ou 6ª série. “E você escreveu tudo isso? Conte-me alguma coisa que você aprendeu sobre os Maias!”, ao que a filha respondeu: “Calma, Pai, eu só fiz o trabalho, ainda não estudei.”

 

Nem todo estudante tem a sorte de possuir um familiar atento e presente, como no caso acima. Cabe a nós, professores, a tarefa de lúcida militância, insisto, de ajudar o aluno a “fazer sentido” da selva de dados com a qual o mundo atual o coloca em contato. Falhar nessa tarefa é permitir estabelecer-se a sociedade que se delineia, em que, salvo honrosas exceções individuais, idéias não são superadas em favor do conhecimento, mas trocadas em favor do novo, do atraente, do imediato, mesmo se “o novo”, geralmente, não passa de um “falso brilhante”.

 

BIBLIOGRAFIA

HARKOT, Elizabeth G. Emprego do computador no ensino de língua estrangeira – inglês. Reflexão lingüístico-comparativa e implicações pedagógicas. Dissertação (Mestrado em Lingüística Geral e Semiótica Discursiva) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo: 1990, não publicada.

LA TAILLE, Yves de. Ensaio sobre o lugar do computador na educação. São Paulo: Iglu Editora, 1990.

Magic Links: a Yazigi program for net kids. Centro de Lingüística Aplicada do Instituto de Idiomas Yázigi – São Paulo: Difusão de Educação e Cultura, 1996.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000.

 

 



[1] Disponível em http://www.vark-learn.com/english/index.asp , acessado em 30/12/2002.

[2] Acessível em site educacional britânico, em  http://www.teachit.co.uk , por meio do mecanismo interno de busca, em 30/12/2002.

[3] Encontrado em http://www.climbit.org/technowarp.htm , na data de 30/12/2002.

[4] Optamos por omitir o nome dos alunos autores, por se tratar de um trabalho de curso, com nota atribuída inferior a cinco.

[5]  Composta pelos alunos Antonio Marcos Ficiano,  Daniel Barboza e Marcelo Lanzilotti (2001).

 

 

[6] Ver p. 14-15.