Obra: Desgarramento, subordinação discursiva e insubordinação: abordagens funcionalistas
Autoria: Maria Beatriz Nascimento Decat, Joceli Catarina Stassi Sé, Flávia B. de M. Hirata-Vale, Rosane Cassia Santos e Campos, Violeta Virginia Rodrigues e Geovane Fernandes Caixeta
Editora: Editora Ponte
Ano de publicação: 2021
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Apresentação:

Este livro traz novos estudos sobre estruturas que, no português em uso, ocorrem de forma independente, constituindo um enunciado à parte. São seis capítulos, nos quais se discutem as materializações desse fenôme- no, por meio de análises que, mesmo diferentes entre si, se desenvolvem à luz do quadro teórico funcionalista, em sua pluralidade de abordagens.

No capítulo um, Beatriz Decat apresenta-nos sua trajetória de pesqui- sa sobre o fenômeno a que ela chamou, desde 1999, de Desgarramento. Daquele momento até o presente, Decat vem analisando estruturas desgar- radas, em especial na modalidade escrita da língua. No texto que compõe este livro, a autora retoma várias de suas postulações anteriores (DECAT, 2011) sobre o fenômeno e exibe um conjunto de aspectos que caracteri- zam o desgarramento, permitindo, assim, o reconhecimento desse tipo de estrutura em textos do português em uso. Reforçando seu posicionamento, Decat propõe que, nas descrições linguísticas , se considere, doravante, o desgarramento como mais uma estratégia de focalização, ao lado da topicalização e da clivagem, para atingir os objetivos comunicativos do falante/escritor.

No capítulo dois, Joceli Stassi-Sé investiga, sob a ótica da Gramática Discursivo-Funcional (HENGEVELD; MACKENZIE, 2008), as pro- priedades discursivas de orações iniciadas por porque e embora que não apresentam dependência sintática com a oração principal, casos a que a autora denomina Subordinação Discursiva. Stassi-Sé procura demonstrar que, embora haja evidências linguísticas da atribuição de função intera- cional a esse tipo de estrutura nas variedades portuguesas (STASSI-SÉ, 2012) - como apresentar ilocução própria, envolver falante e ouvinte, constituir reação na interação, estar entre atos interativos e indicar mudança de assunto -, ainda muito se discute a função e o estatuto interpessoal das “adverbiais independentes”. Segundo a autora, a função depende da camada sob escopo: se atribuída a um Movimento, é interacional; se atribuída a um Ato Discursivo, é retórica.

Por sua vez, Flávia B. de M. Hirata-Vale, no capítulo três, concentra sua análise na Insubordinação, termo que designa o processo pelo qual se formam construções que são usadas de forma convencionalizada como oração principal, mesmo que, à primeira vista, pareçam ser formalmente subordinadas. Após apresentar trabalhos de outros linguistas – Evans (2007), Mithum (2008), Van Linden e Van de Velde (2014), D’Hertefelt (2015), Sansiñena (2015), Gras (2016) e Heine, Kaltenböck, Kuteva (2016) –, que lhe serviram de fundamentação para o entendimento desse proces- so, a autora traça, mais brevemente, um panorama a respeito de estudos descritivos sobre as construções (semi)insubordinadas, completivas ou condicionais, em diferentes línguas, tais como o espanhol, o holandês e o inglês, expondo suas características formais e funcionais. Por fim, Flávia B. de M. Hirata-Vale apresenta pesquisas sobre as construções (semi)in- subordinadas desenvolvidas para o português brasileiro (HIRATA-VALE, 2015, 2020; HIRATA-VALE, OLIVEIRA, SILVA, 2017; CORADINI, 2020; COIMBRA, 2020; PIRES, 2019), tratando de seus aspectos sintáticos, semânticos, discursivos e interacionais. O capítulo encerra-se com consi- derações que apontam para os desafios remanescentes no tratamento desse fenômeno nas línguas e, ainda, para as perspectivas de trabalhos futuros.

No capítulo quatro, Violeta Rodrigues aborda as cláusulas que são independentes sintaticamente de suas nucleares e que podem ser identi- ficadas ainda como desgarradas, segundo a perspectiva funcionalista. A autora chama a atenção para a existência de vários trabalhos que já foram ou estão sendo desenvolvidos sobre esse fenômeno, entre os quais há pontos convergentes e divergentes em sua descrição em várias línguas. Em seu texto, Rodrigues destaca o caso que dá título ao capítulo – o das orações completivas – apresentando um tratamento diferenciado do que foi dado por Decat (1993, 2011), Evans (2007), Mithum (2008), Verstraete, D’Hertefelt and Van Linden (2012), Cristofaro (2016) e Rodrigues (2019). Trabalhando com um corpus constituído de postagens do Facebook, re- colhidas na sua timeline, a autora procura mostrar que, nessas postagens, foram identificadas tanto as cláusulas desgarradas quanto as não desgar- radas, diferentemente do que havia sido mostrado em Rodrigues (2019), o que lhe permitiu confirmar que as completivas desgarradas são as mais frequentes nessa amostra.

Os dois últimos capítulos apresentam análises que, comungando das descrições dadas por Decat, verificam o fenômeno do desgarramento em textos de gêneros específicos. No capítulo cinco, Rosane Campos propõe uma interface dos recursos da multimodalidade com os do desgarramento, investigando o uso das estruturas desgarradas em anúncios publicitários. A autora parte do princípio, explicitado na Gramática do Design Visual (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006) para o tratamento da Multimodalida- de, de que os aspectos visual e verbal, além de outros modos semióticos, seguem determinados propósitos comunicativos. O trabalho está também fundamentado nas postulações de Decat (2004, 2011), em que o desgarra- mento é materializado por constituintes oracionais ou nominais sem estarem vinculados a porções textuais que os antecedem. Campos procura mostrar como a estrutura desgarrada valida a força argumentativa da informação nela veiculada. O trabalho apresenta considerações sobre os principais re- cursos de focalização no texto publicitário, evidenciando sua importância interativa com o público a que se destina, na medida em que esse tipo de texto faz uso de recursos e pormenores que valorizam o produto, a ideia ou o serviço a serem comercializados.

Encerra este livro o capítulo seis, com a análise de Geovane Caixeta sobre a ocorrência de estruturas desgarradas no livro Laços de Família, de Clarice Lispector. Fundamentado em Decat (2011), Dahlet (2006) e Lisbôa (2008), o autor defende a existência de um “acoplamento estratégico es- trutura desgarrada/pontuação”. Segundo Caixeta, os produtores de textos escritos recorrem a estruturas desgarradas demarcadas por sinais gráficos da pontuação em favor de seus propósitos comunicacionais e interacionais. O capítulo objetiva mostrar que, de modo particular, em Laços de Família, Clarice Lispector, na sua escrita peculiar, não só explora o uso de porções desgarradas, como também exige de seu leitor uma corresponsabilidade na construção de sentidos advindos de uma sintaxe significativamente intencional. Caixeta defende, assim, que a existência do “acoplamento estratégico estrutura desgarrada/pontuação” legitima a relação língua e falante na produção e na recepção de textos.

Esperamos que as análises sobre a temática aqui discutida – desgarra- mento, subordinação discursiva, insubordinação – possam contribuir não só para compor o conjunto de descrições do português, mas também para suscitar novas discussões, o que permitirá evidenciar a riqueza da língua em sua organização estrutural.


 

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